terça-feira, agosto 15, 2006

Vitorino Nemésio

Indício Velado

Não toques, distância, no seu cabelo molhado;
Não lhe mexas. Rosto puro, às aguas posto e preso,
Uma imagem será o seu único peso,
Um pensamento o único beijo que me há dado.

Que o Índico persiga o indício velado;
Decore o Mar Vermelho o forte rosto aceso -
Mas não para morrer: para menos desprezo;
E eu próprio fique em meu amor atenuado.

Oh! platónico amor de ninguém e de alguma,
Espectro que criei e rodeei de lágrimas,
Vénus ainda ao longe no aro da minha espuma!

Imagem, força de vontade, imagem
Viva ou morta, não sei; imagem acre...mas
Verdadeira e suave, isso mais que nenhuma!

Vitorino Nemésio
O Bicho Harmonioso

1 comentário:

Anónimo disse...

Vitorino Nemésio Mendes Pinheiro da Silva, filho de Vitorino Gomes da Silva e Maria da Glória Mendes Pinheiro, nasceu na Praia da Vitória, ilha Terceira, em 1901.

Biografia

A sua vida não lhe correu bem em termos de sucesso escolar, pois passou por vários problemas estudantis, tal como a expulsão do Liceu de Angra, a reprovação do 5º ano que o levou a sentir-se incompreendido pelos professores. Do período do Liceu de Angra, Nemésio apenas guardou boas recordações de Ferreira Deusdado, professor de história, que o introduziu na vida das letras.

Com 16 anos de idade, Vitorino Nemésio, desembarcou pela primeira vez na cidade da Horta para se apresentar a exames, como aluno externo do Liceu Nacional da Horta. Nemésio acabou por concluir o Curso Geral dos Liceus, no dia 16 de Julho de 1918 com a qualificação de “dez valores”. A sua estadia na cidade da Horta foi desde Maio a Agosto de 1918. A 13 de Agosto o jornal “O Telégrafo” dava notícia de que Nemésio, apesar de ser um “fedelho”, um ano antes de chegar à Horta, havia enviado um exemplar de “Canto Matinal”, seu primeiro livro de poesia (publicado em 1916), ao director de “O Telégrafo”, Manuel Emídio.

Apesar de tenra idade, Nemésio chega à Horta já imbuído de alguns ideais republicanos, pois em Angra do Heroísmo já havia participado em reuniões literárias, republicanas e anarco-sindicalistas, tendo sido influenciado pelo seu amigo Jaime Brasil, cinco anos mais velho (primeiro mentor intelectual que o marcou para sempre) e por outras pessoas tal como Luís da Silva Ribeiro, advogado, e Gervásio Lima, escritor e bibliotecário.

Em 1918, em pleno final da I Guerra Mundial, a Horta possuía um comércio marítimo intenso e uma impressionante animação nocturna, a cidade era um porto de escala obrigatória, local de reabastecimento de frotas e de repouso da marinhagem. Na Horta estavam instaladas as companhias dos Cabos Telegráficos Submarinos, que convertiam a cidade num “nó de comunicações” mundiais, ou seja, a Horta possuía um ambiente cosmopolita, que contribuiu, decisivamente, para que ele viesse, mais tarde a escrever uma obra mítica que dá pelo nome de Mau Tempo no Canal, trabalhada desde 1939 e publicada em 1944, cuja acção decorre nas ilhas Faial, Pico, S. Jorge e Terceira, sendo que o núcleo da intriga se desenvolve na Horta. Este romance evoca um período (1917-1919) que coincide em parte com a sua permanência na ilha do Faial e nele aparecem pessoas tais como: o Dr. José Machado de Serpa, senador da República e estudioso; o Pe. Nunes da Rosa, contista e professor do Liceu da Horta; Osório Goulart, poeta.

Em 1919, inicia o serviço militar, como voluntário, em infantaria, o que lhe proporcionou a primeira viagem ao continente. Concluiu o liceu em Coimbra (1921) e inscreve-se na Faculdade de Direito. Mais tarde, Nemésio troca o curso em que se tinha matriculado, pelo de Filologia Românica, da Faculdade de Letras. Na sua primeira viagem que faz a Espanha com Orfeão Académico, em 1923, conhecerá Miguel Unamuno (escritor e filósofo espanhol (1864-1936), intelectual republicano, foi o teórico do humanismo revolucionário antifranquista) com quem trocará correspondência anos mais tarde.

A 12 de Fevereiro de 1926, casa em Coimbra com Gabriela Monjardino de Azevedo Gomes, de quem teve quatro filhos: Georgina (Novembro de 1926), Jorge (Abril de 1929), Manuel (Julho de 1930) e Ana Paula (final de 1931).

Foi em 1930 que Vitorino Nemésio se transfere para a Faculdade de Letras de Lisboa onde, no ano seguinte, conclui o curso de Filologia Românica, com elevadas classificações, começando desde logo a leccionar literatura italiana. É a partir de 1931 que Vitorino Nemésio dá inicio à carreira académica na Faculdade de Letras de Lisboa, onde tal como atrás se afirmou, leccionará literatura italiana e mais tarde literatura espanhola.

Em 1934 doutorou-se em Letras pela Universidade de Lisboa com a tese “A Mocidade de Herculano até à Volta do Exílio”.

Entre 1937 e 1939 lecciona na Universidade Livre de Bruxelas e regressando novamente ao ensino na Faculdade de Letras de Lisboa. Em 1958 iremos encontrá-lo a leccionar no Brasil. A 12 de Setembro de 1971 profere a sua última lição na Faculdade de Letras de Lisboa, onde ensinara quase 40 anos.

Foi autor e apresentador do programa televisivo “Se bem me lembro”, que muito contribuiu para popularizar a sua figura e dirigiu ainda o jornal “O Dia” entre 11 de Dezembro de 1975 a 25 de Outubro de 1976.

Vitorino Nemésio foi um dos grandes escritores portugueses do séc. XX, tendo recebido em 1965, o Prémio Nacional da Literatura e, em 1974, o Prémio Montaigne.

Vitorino Nemésio faleceu a 20 de Fevereiro de 1978, em Lisboa, no Hospital da CUF, tendo sido sepultado em Coimbra. Pouco antes de morrer, Nemésio pediu ao filho para ser sepultado no cemitério de Santo António dos Olivais em Coimbra. Mas pediu mais: que os sinos tocassem o Aleluia em vez do dobre a finados. O seu pedido foi respeitado.

Obra

Vitorino Nemésio foi ficcionista, poeta, cronista, ensaísta, biógrafo, historiador da literatura e da cultura, jornalista, investigador, epistológrafo, filólogo e comunicador televisivo, para além de toda a actividade de docência.

Levou a cabo, na sua obra, uma transformação das tendências da Presença (que de certa forma precedeu), que garantiu a eternidade dos seus textos. Fortemente marcado pelas raízes insulares, a vida açoriana e as recordações da sua infância percorrem a obra do escritor, numa espécie de apelo, revelado pela ternura da sua inspiração popular, pela presença das coisas simples e das gentes, e pela profunda humanidade face à existência e ao sofrimento da vida humana.

Entre as suas principais obras contam-se:

Poesia

* O Bicho Harmonioso (1938)
* Eu, Comovido a Oeste (1940)
* Nem Toda a Noite a Vida (1953)
* O Verbo e a Morte (1959)
* Canto de VĂ©spera (1966)
* Sapateia Açoriana, Andamento Holandês e Outros Poemas (1976)


Ficção

* Paço de Milhafre (1924)
* Varanda de Pilatos (1926)
* Mau Tempo no Canal (1944), romance galardoado com o prémio Ricardo Malheiros;

Ensaio e CrĂ­tica

* Sob os Signos de Agora (1932)
* A Mocidade de Herculano (1934)
* Relações Francesas do Romantismo Português (1936)
* Ondas MĂ©dias (1945)
* Conhecimento de Poesia (1958)


CrĂłnica

* O Segredo de Ouro Preto (1954)
* Corsário das Ilhas (1956)
* Jornal do Observador (1974).


A Ficção em Vitorino Nemésio

Os trechos de inspiração açoriana são bastante significativos na sua obra notando-se a presença de "infantis lembranças, e amores, dores e agoiros de figuras de humildes que nestas páginas ficam vivendo, sob a obsessão circundante do mar", na opinião de Afonso Lopes Vieira. A sua experiência de ilhéu encontra-se presente na sua obra em geral, cuja vida no domínio da ficção se inicia em 1924 com a publicação do volume de contos Paço do Milhafre prefaciada por Afonso Lopes Vieira, e mais tarde rebaptizada com o titulo O Mistério do Paço do Milhafre, tendo sido publicada em 1949.

Vitorino Nemésio ao longo de toda a sua carreira literária nunca deixou de surpreender os demais. O escritor nos seus romances conseguiu transmitir uma certa originalidade de escrita, sobretudo na descrição dos lugares e no desenho das personagens, e até dar uma certa generosidade humana que se pode presenciar em Varanda de Pilatos, (obra publicada em 1927) e no volume de novelas A Casa Fechada, constituída por três histórias: O Tubarão, Negócio de Pomba e A Casa Fechada Em relação a esta última história, a crítica foi bastante positiva e unânime, tendo sido considerada uma obra excepcional.

Contudo houve uma obra romanesca, mais complexa, variada, densa e subtil que é Mau Tempo no Canal, obra incomparável na literatura portuguesa do século XX. Este romance havia já sido "ensaiado" pela novela Negócio de Pomba, isto é, esta possui muitos aspectos que irão ser tratados a posteriori naquele romance.

Depois de ter escrito “Mau Tempo no Canal”, poder-se-á afirmar que Vitorino Nemésio nunca mais voltou aos trilhos do romance. Ele próprio afirma num inédito do seu espólio “Morro autor de um romance único”.

Mau Tempo no Canal corresponde ao momento mais alto da sua vasta produção literária, e é uma das obras-primas da literatura portuguesa. Ao visitar a Horta pela segunda vez, em 1946, escreveu em “Corsário das Ilhas:

“Gosto da Horta como de nêsperas. Tinha saudades do que fui, já nem sei bem como, aqui. Todo o imaginado é mais ou menos frustrado quando o realizamos; mas na Horta não é bem excedido […]. Matriz no alto onde foram as casas do donatário flamengo e que os jesuítas adaptaram, como sempre, cubicular e faustosamente, mais duas ou três igrejas conventuais nos altos; a cada ponta, ou sainte, as paróquias da Conceição e das Angústias, e o mais que é preciso para completar uma cidadezinha airosa alva como uma noiva – Horta”

ou seja, trinta anos depois, Nemésio continuava a recordar “os primores do acolhimento, a hospitalidade patriarcal, a gentileza em tudo e por tudo”.
Outros géneros narrativos

Dentro do género narrativa, para além da obra de ficção, Vitorino Nemésio escreveu e publicou obras de natureza biográfica: o seu doutoramento tratou a vida de Herculano. Escreve igualmente uma biografia sobre Isabel de Aragão, a Rainha Santa. Escreve crónicas das viagens que fez ao Brasil, Açores e Madeira. Escreve e publica ensaios sobre diferentes temas tal como temas portugueses e brasileiros, um ensaio sobre Gil Vicente e também de poesia.

A Poesia em Vitorino Nemésio

Nemésio é sobretudo um poeta, tal como ele próprio o afirma, uma vez que escrever poesia foi uma actividade ininterrupta mantida desde 1916 (com o “Canto Matinal”) até 1976 (“Era do �tomo Crise do Homem”). Entre as suas principais obras poéticas contam-se:

� “O Bicho Harmonioso” (publicada em 1938) � “Eu, Comovido a Oeste” (publicada em 1940) � “Festa Redonda” (publicada em 1950) � “Nem toda a Noite a Vida” (publicada em 1952) � “O Pão e a Culpa” (publicada em 1955) � “O Verbo e a Morte” (publicada em 1959) � “Sapateia Açoriana” (publica em 1976)

Na opinião de Óscar Lopes, falando a respeito da poesia nemesiana, ele diz-nos que os volumes de versos se podem agrupar em dois ciclos distintos e que se intersectam na obra “Nem toda a Noite a Vida” que é o mais heterogéneo de todos. No primeiro ciclo a temática está relacionada com a insularidade, com a saudade à ilha, à infância, à adolescência, ao pai e ao seu primeiro amor proibido. Toda esta temática está bem visível em “O Bicho Harmonioso” e em “Eu, Comovido a Oeste”. No segundo ciclo já se nota uma transmutação de temas, enveredando para uma temática religiosa e metafísica. Coloca questões acerca da vida e da morte, do ser (devir e permanência do ser), e da busca de sentido para a existência. Por isso o poeta é identificado com a corrente filosófica existencialista. A par desta poesia erudita o poeta cultiva também uma poesia popular profundamente marcada por símbolos de açorianidade, pelo que muitas vezes é acusado de regionalismo literário na sua obra.


Outras actividades

A par da sua actividade literária e de docência, Vitorino Nemésio dava conferências (foi numa das viagens à Espanha para dar uma conferência que acabou por conhecer pessoalmente Miguel Unamuno), colaborava com a RTP (“Se Bem Me Lembro”), bem como em várias revistas e jornais ( “Seara Nova”, “Presença”, “O Diabo” e “Diário Popular”), fundou e dirigiu em conjunto com outros jornais e revistas (“Gente Nova”), foi redactor de jornais e assumiu a direcção do jornal “O Dia”, no fim da sua carreira profissional.

(Wikipédia)