(Continuação)
Julgou-se descortinar na erva rala leves
vestígios de pés femininos, sítios calcados pelo
peso dos corpos. Imagina-se a cena: as man-
chas de sol na sombra das figueiras, que não
é sombra, mas uma outra forma mais verde e
mais doce da luz; o jovem aldeão posto alerta
por risos e gritos de mulher, qual caçador por
um bater de asas; as divinas raparigas er-
guendo os alvos braços em que a loira penu-
gem intercepta o sol; a sombra de uma folhades
locando-se num ventre nu; um seio claro,
cujo bico se ergue, não violeta mais rosa; os
beijos de Panegyotis devorando aquelas cabe-
leiras que lhe deixam a impressão de masti-
gar o mel; o seu desejo perdendo-se entrea
quelas pernas loiras. Tal como não há amor
sem deslumbramento do coração, tão-pouco
existe verdadeira volúpia sem espanto da be-
leza. O resto será quando muito simples fun-
cionamento maquinal, como a sede e a fome.
As Nereidas abriram ao jovem insensato um
mundo feminino tão diferente das raparigas
da aldeia quanto estas o são das fêmeas do
gado; deram-lhe a embriaguez do desconhe-
cido, a prostração do milagre, as resplenden-
tes malícias da ventura. Pretende-se que
nunca deixou de as encontrar, pelas horas
quentes em que esses belos demónios do
meio-dia vagueiam em busca de amor; dir-se-
-ia ter esquecido o próprio rosto da noiva,
(continua)
A Salvação de Wang-Fô
e outros Contos Orientais
Marguerite Yourcenar
Publicações D. Quixote
1 comentário:
Marguerite Yourcenar: Espanto eterno
LuĂsa Godinho
A 14 de dezembro de 1987, morria Marguerite Yourcenar. Escritora, poetisa, intelectual, viveu a dĂşvida e a mudança do alvorar do sĂ©culo, dividida entre paĂses, pessoas, condições. Aristocrata de berço, libertou-se nas tabernas parisienses, mas ficou-lhe no sangue a busca da excelĂŞncia e da perfeição. A paz, encontrou-a nos vagões dos comboios, onde passou dezenas de horas em viagem e onde escreveu largas parcelas dos livros. Como ela prĂłpria confessou, se pudesse escolher uma condição de vida seria, certamente, a de viajante.
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