A POESIA CULINÁRIA DE MESTRE GIL
O teatro de Gil Vicente é um cenário exaustivo da vida
portuguesa de Quinhentos. Mestre Gil observa, critica aber-
tamente, cita os nomes da próprias pessoas que bem pode-
riam encontrar-se entre a assistência. O que se come e o que
se bebe não faltam na crua visão do comediógrafo, aquele
Mestre Gil que “não tinha um ceitil”, embora fizesse os au-
tos de el-rei.
O português de Quinhentos basofia, sonha com as rique-
zas fáceis da Índia, come sardinhas, ou o que calha. Comoa
quele marido de Branca Anes, a “Brava” do Auto da Feira
que a desesperada mulher denuncia assim:
“Porque vai-se às figueiras,
e come verde e maduro;
e quantas uvas penduro
jeita nas gorgomileiras;
parece negro monturo.
Vai-se-me às ameixeiras,
antes que sejam maduras,
ele quebra as cerejeiras,
ele vindima as parreiras,
e não sei que faz das uvas.
Ele não vai à lavrada, ele todo o dia come,
ele toda a noite dorme,
ele não faz nunca nada,
e sempre me diz que há fome”.
Uma Lisboa do desenrasca que vai manter-se como ca-
racterística nacional para todo o sempre. Pretenciosa, cla-
ro, porque na província as coisas são bem mais simples. Gil
Vicente “Vaqueiro”, a saber “se é verdade que pariu vossa
nobreza” (a rainha mãe de D. João III) traz ofertas em
quantidade, mas caracterizadas pela simplicidade da pro-
víncia:
“mil huevos y leche aosadas,
e um ciento de quesadas,
e han traido
quesos, miel, do que han podido”.
É certo que há no teatro Vicentino um rol de acepipes, ma-
çapão, pereiras doçares de “muitas maneiras”, cabrito, pi-
cheis de vinho, mas o marido viajante do Auto da Índia não
deixa à ansiosa mulher mais do que “trigo, azeite, mel e pa-
nos” e a pretenciosa, e pretendida, Inês Pereira refere-se ao
vulgo como comendo pão com cebolas, do que não desde-
nhou, como se viu, Nicolau Clenardo, apesar das suas prerro-
gativas de intelectual credenciado, o que pouco mais signifi-
cava que mestre escola às expensas, sempre curtas, do Estado.
Como ao longo de toda a eternidade, os comerciantes
roubavam o que podiam, tal a Marta Gil da Barca do Pur-
gatório, que se justifica nos momentos definitivos:
“Vendia minha lavrança,
um ovo por dois reais,
um cabrito se se alcança,
té quatro vinténs, não mais:
Tendes vós isto em lembrança?
Um frangão por um vintém.
E uma galinha sessenta;
E acerta-se também
Que às vezes vem alguém,
Que as leva por setenta”.
Como bem se sabe, sempre houve quem comprasse por
setenta o que os outros compravam por sessenta. E a culpa
é deles, certamente. Só que para a regateira Marta Gil, o
sempre presente Diabo dos autos vicentinos ainda tem mais
algo no saco:
“E para que era água no leite
Que deitavas ieramã?”
Géneros não faltavam para quem tivesse a bolsa farta.
No verão, por exemplo, podia-se dar graças a Deus pelo
que se encontrava nos campos:
“Puerros ajos y cebollas,
mastuerzo, habas, hervejas,
gravanizos, granos, lentejas,
verdolagas y vampollas,
mil yerbas, frutas y follas,
untesgina y catasol;
y ansi hombre de pro
lte doy gracias e grollas”.
Tudo muito bem e muito farto, mas a verdade é que:
“quando vieres da arada,
comerás sardinha assada,
porque ella jenta a panela”.
Isto muito embora o criado do grande fidalgo endinhei-
rado se lamente por não encontrar peças de caça no merca-
do para a cozinha de suas senhorias:
“E a mesa do meu senhor
irá sem ave de pena?”
Roby Amorim
Da Mão à Boca
Para uma história da alimentação em Portugal
edições salamandra
1 comentário:
Gil Vicente
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Gil Vicente, tal como costuma ser representado
Gil Vicente (1465-1536?) foi o primeiro grande dramaturgo portugués, alén de poeta de renome. Hai quen o identifica tamén co ourive autor da Custodia de Belém, mestre da balanza, e co mestre de Retórica do rei Don Manuel. Canto home de teatro, parece ter tamén desempeñado as tarefas de músico, actor e encenador. É frecuentemente considerado, de forma xeral, o pai do teatro portugués, ou mesmo do teatro español, xá que tamén escreveu en castelán - partillando a paternidade da dramaturxia española con Juan del Encina.
A obra vicentina Ă© tida como reflexo da mudanza dos tempos e da pasaxe da Idade Media para o Renacemento, facĂ©ndose o balanzo dunha Ă©poca onde as hierarquias e a orde social eran rexidas por regras inflexĂbeis, para uña nova sociedade onde se comeza (apenas na vertente teatral) a subverter a orde instituĂda, ao cuestionala. Foi, de feito, o principal representante da literatura renacentista portuguesa, anterior a Camões, incorporando elementos populares na sĂşa escrita que influenciou, por sĂşa vez, a cultura popular portuguesa.
Vida
Lugar e data de nacemento
GuimarĂŁes: un dos lugares que reclama ser o berce do dramaturgo
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GuimarĂŁes: un dos lugares que reclama ser o berce do dramaturgo
Apesar de se considerar que a data mais provábel para o seu nacemento teña sido en 1465 hai ainda quen propoña as datas de 1460 (Braamcamp Freire) ou entre 1470 e 1475 (Brito Rebelo). De feito, se nos basearmos nas informacións veiculadas na propia obra do autor, encontraremos contradicións. O Vello da Horta, a Floresta de Enganos ou o Auto da Festa, indican 1452, 1470 e antes de 1467, respectivamente. Desde que decorreran, en 1965, festividades oficiais conmemorativas do quincentenario do nacemento do dramaturgo, acéptase 1465 de forma case unánime.
Frei Pedro de Poiares localizava o seu nacemento en Barcelos, mais as hipĂłteses de asi ter sido son poucas. Pires de Lima propuxo GuimarĂŁes (ChĂŁs de Tavares, en Mangualde) para sĂşa terra natal - hipĂłtese esa que estarĂa de acordo coa identificaciĂłn do dramaturgo co ourive, xá que a cidade de GuimarĂŁes foi durante muito tempo berce privilegxiado de xolleiros. O povo de GuimarĂŁes demĂłstrase favorábel a esta hipĂłtese, como se pode verificar, por exemplo, na designaciĂłn dada a uña das escolas do Concello (en Urgeses), que homenaxea o autor. Lisboa Ă© tamĂ©n moitas veces defendida. Outros, porĂ©n, indican as Beiras - de feito, verifĂcanse varias referencias a esta área geográfica de Portugal, sexja na toponimia como pola forma de falar das personaxes.
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Un poeta ourive?
Cada libro publicado sobre Gil Vicente Ă©, case sempre ,defensor dunha tese que identifique ou non o autor ao ourives. A favor desta hipĂłtese existe o feito de o dramaturgo usar con propiedade termos tĂ©cnicos de ourivesarĂa na sĂşa obra.
AlgĂşns intelectuais portugueses polemizaran sobre o asunto. Camilo Castelo Branco escribiu, en 1881, o documento "Gil Vicente, Embargos Ă fantasia do Sr. TeĂłfilo Braga" - este Ăşltimo defendĂa que o ourive e o poeta eran unha soa persoa, encanto que Camilo defendĂa duas persoas distintas. TeĂłfilo Braga mudarĂa de opiniĂł depois de un estudo de Sanches de Baena que mostraba a xenealogĂa distintinta de dous indivĂduos de nome Gil Vicente, apesar de Brito Rebelo ter conseguido comprovar a inconsistencia histĂłrica destas dĂşas xenealoxĂas, utilizando documentos da Torre do Tombo.
Datos biográficos
Sábese que casou con Branca Bezerra, de quen naceran Gaspar (que morreu en 1519) e Belchior (nacido en 1505). Depois de enviuvar, casou con MelĂcia Roiz, de quen teve Paula Vicente (1519-1576), LuĂs Vicente (que organizou a compilaciĂłn das sĂşas obras) e ValĂ©ria. PresĂşmese que teña estudado en Salamanca.
O MonĂłlogo do vaqueiro, como terĂa sido representado polo propio Gil Vicente, de acordo coa visiĂłn do pintor portuguĂ©s Roque Gameiro
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O MonĂłlogo do vaqueiro, como terĂa sido representado polo propio Gil Vicente, de acordo coa visiĂłn do pintor portuguĂ©s Roque Gameiro
O seu primeiro traballo coñecido, a peza en castelán MonĂłlogo do Vaqueiro, foi representada nos aposentos de Dona Maria, muller de Don Manuel, para celebrar o nacemento de D. JoĂŁo III - sendo esta representaciĂłn considerada como o marco de partida da historia do teatro portuguĂ©s. Ocorreu isto na noite de 8 de xuño de 1502, coa presenza, alĂ©n do rei e da raiña, de Dona Leonor, viĂşva de D. JoĂŁo II e Dona Beatriz, nai do rei. Tornouse, entĂł, responsábel da organizaciĂłn dos eventos palacianos. Dona Leonor pediu ao dramaturgo a repeticiĂłn da peza polas matinas de Nadal, mais o autor, considerando que a ocasiĂłn pedĂa outro tratamento, escribiu o Auto pastoril castelhano. De feito, o "Auto da VisitazĂŁo" ten elementos claramente inspirados na "adoraciĂłn dos pastores", de acordo coos relatos do nacemento de Cristo. A encenaciĂłn incluĂa un ofertorio de prendas simples e rĂşsticas, como queixos, ao futuro rei, ao cal se presaxiavan grandes feitos. Gil Vicente que, alĂ©n de ter escrito a peza, tambĂ©n a encenou e representou, usou, contodo, o cadro relixioso natalicio nunha perspectiva profana. Perante o interese de Dona Leonor, que se tornou a sĂşa grande protectora nos anos seguintes, Gil Vicente tive a nociĂłn de que o seu talento lle permitirĂa máis do que adaptar simplesmente a peza para ocasiĂłns diversas, ainda que semellantes.
Se foi realmente ourive, terminou a súa obra prima nesta arte - a Custódia de Belén - feita para o Mosteiro dos Jerónimos, en 1506, produzida co primeiro ouro vindo de Mozambique. Tres anos depois, este mesmo ourive tornouse veedor do patrimonio de ourivesaria no Convento de Cristo, en Tomar, Nossa Senhora de Belén e no Hospital de Todos-os-Santos, en Lisboa. Conséguese, ainda, apurar algumas datas en relación a esta personaxe que tanto pode ser una como múltipla: en 1511 é nomeado vasalo de el-Rei e, un ano depois, sábese que era representante da bandeira dos ourives na "Casa dos Vinte e Quatro". En 1513, o mestre da balanza da Casa da Moeda, tambén de nome de Gil Vicente (se é o mesmo ou non, como xa se dixo, non se sabe), foi eleito polos outros mestres para os representar xunto á vereación de Lisboa.
Será el quen dirixirá os festexos en honra de Dona Leonor, a terceira muller de Don Manuel, no ano de 1520, un ano antes de pasar a servir Don JoĂŁo III, conseguindo o prestixio do cal se valerĂa para se permitir satirizar o clero e a nobreza nas sĂşas obras ou mesmo para se dirixir ao monarca criticando as suas opciĂłns. Foi o que fixo en 1531, atravĂ©s dunha carta ao rei onde defende os cristiáns-novos.
Morreu en lugar descoñecido, talvez en 1536, porque é a partir desta data que se deixa de encontrar referencias ao seu nome nos documentos da época, alén de ter deixado de escribir a partir desta data.
Contexto histĂłrico
O teatro portugués antes de Gil Vicente
Obras de Garcia de Resende, onde se inclúe a Miscelânia onde se defende para Gil Vicente a paternidade do teatro portugués.
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Obras de Garcia de Resende, onde se inclúe a Miscelânia onde se defende para Gil Vicente a paternidade do teatro portugués.
O teatro portuguĂ©s non naceu con Gil Vicente. Ese mito, creado por varios autores de renome, como Garcia de Resende, na sĂşa Miscelânia, ou o seu propio fillo, LuĂs Vicente, con ocasiĂłn da primeira ediciĂłn da "Compilação" da obra completa do pai, poderá xustificarse pola importancia innegábel do autor no contexto literario pensinsular, mais non Ă© de todo verdadeiro, xa que existĂan manifestaciĂłns teatrais antes da noite de 7 ao 8 de xuño de 1502, data da primeira representaciĂłn do "Auto do vaqueiro" ou "Auto da visitazĂŁo", nos aposentos da raiña.
Xa no reinado de Sancho I de Portugal, os dous actores mais antigos portugueses, Bonamis e Acompaniado, realizaran un espectáculo de "arremedillo", tendo sido pagos polo rei cunha doazĂłn de terras. O arcebispo de Braga, Don Frei Telo, refĂrese, nun documento de 1281, a representaciĂłns litĂşrxicas por ocasiĂłn das principais festividades catĂłlicas. En 1451, o casamento da infanta Dona Leonor co imperador Frederico III da Alemaña foi acompañado tamĂ©n de representaciĂłns teatrais. Segundo as crĂłnicas portuguesas de FernĂŁo Lopes, Zurara, Rui de Pina ou Garcia de Resende, tambĂ©n nas cortes de JoĂŁo I de Portugal, Afonso V de Portugal e JoĂŁo II de Portugal, se facĂan representaciĂłns espectaculares. Rui de Pina refĂrese, por exemplo, a un "momo", en que Don JoĂŁo II participou persoalmente, facendo o papel de "Cavaleiro do Cisne", nun escenario de ondas axitadas (formadas con panos), nunha frota de naus que causou espanto entrando sala adentro acompañado do son de trombetas, atabales, artillaria e mĂşsica executada por menestrĂ©is, alĂ©n de unha tripulaciĂłn atarefada de actores vestidos de forma espectacular.
Contodo, pouco resta dos textos dramáticos prĂ©-vicentinos. AlĂ©n das Ă©clogas dialogadas de Bernardin Ribeiro, CristĂłvĂŁo FalcĂŁo e Sá de Miranda, AndrĂ© Dias publicou en 1435 un "Pranto de Santa Maria" considerado un esbozo razoábel de drama litĂşrxico. No Cancioneiro Geral de Garcia de Resende existen algĂşns textos tamĂ©n significativos, como o Entremez do Anjo (asi designado por TeĂłfilo Braga), de D. Francisco de Portugal, Conde de Vimioso, ou as trovas de Anrique da Mota (ou Farsa do alfaiate, segundo Leite de Vasconcelos) dedicados a temas e peronaxen chocarreiros como "un clĂ©rigo sobre uma pipa de viño que se lle foi pelo chan", entre outros episĂłdios divertidos. É provábel que Gil Vicente teña asistido a algunhas destas representaciĂłns. VirĂa, contodo, sen qualquer dĂşbida, a superalas en mestrĂa e en profundidade, tal como diria Marcelino MenĂ©ndez Pelayo ao consideralo a "figura máis importante dos primitivos dramaturgos peninsulares", chegando mesmo a decir que non habĂa "quen o excedese na Europa do seu tempo".
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Obra
CaracterĂsticas principais
IlustraciĂłn da ediciĂłn orixinal do Auto da Barca do Inferno
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IlustraciĂłn da ediciĂłn orixinal do Auto da Barca do Inferno
A sĂşa obra ven no seguimento do teatro ibĂ©rico popular e relixioso que xa se facĂa, ainda que de forma menos profunda. Os temas pastorĂs, presentes na escrita de Juan del Encina, van influenciar fortemente a sĂşa primeira fase de produciĂłn teatral e permanecerán esporadicamente na sĂşa obra posterior, de maior diversidade temática e sofistificaciĂłn de medios. De feito, a sĂşa obra ten unha vasta diversidade de formas: o auto pastoril, a alegoria relixiosa, narrativas bĂblicas, farsas episĂłdicas e autos narrativos. O seu fillo, LuĂs Vicente, na primeira compilaciĂłn de todas as suas obras, classificounas en autos e misterios (de carácter sagrado e devocional) e en farsas, comedias e traxicomedias (de carácter profano). Contodo, calquer clasificaciĂłn Ă© redutora - de feito, basta pensar na Trilogia das Barcas para se verificar como elementos da farsa (as personaxes que van aparecendo, hai pouco saĂdas deste mundo) se misturan con elementos alegĂłricos relixiosos e mĂsticos (o Bem e o Mal).
Gil Vicente retratou, con refinada comicidade, a sociedade portuguesa do sĂ©culo XVI, demostrando unha capacidade acutilante de observaciĂłn ao trazar o perfil psicolĂłxico das personaxen. CrĂtico severo dos costumes, de acordo coa máxima que serĂa ditada por Molière ("Ridendo castigat mores" - rindo se castigan os costumes), Gil Vicente Ă© tamĂ©n un dos mais importantes autores satĂricos da lingua portuguesa. En 44 pezas, usa grande cantidade de personaxes extraĂdos do espectro social portuguĂ©s da altura. É con unha presenza de mariñeiros, ciganos, camponeses, fadas e demonios e de referĂŞncias – sempre cun lirismo nato – a dialectos e linguaxes populares. Entre suas obras están Auto Pastoril Castellano (1502) e Auto dos Reis Magos (1503), escritas para celebraciĂłn natalina, e Auto da Sibila Cassandra (1503), anunciando os ideais renacentistas en Portugal. A sĂşa obra-prima Ă© a triloxĂa de sátiras Auto da Barca do Inferno (1516), Auto da Barca do PurgatĂłrio (1518) e Auto da Barca da GlĂłria (1519). En 1523 escribe a Farsa de InĂ©s Pereira.
Auto de Mofina Mendes, onde se inclé unha anunciación, de acordo cos temas marianos, gratos ao autor
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Auto de Mofina Mendes, onde se inclé unha anunciación, de acordo cos temas marianos, gratos ao autor
Son xeralmente apontados, como aspectos positivos das súas pezas, a imaxinación e orixinalidade evidenciadas; o sentido dramático e o coñecimento dos aspectos relacionados coa problemática do teatro.
AlgĂşns autores consideran que a sĂşa espontaneidade, ainda que reflectindo de forma eficaz os sentimentos colectivos e exprimindo a realidade criticábel da sociedade a que pertencĂa, perde en reflexiĂłn e en requinte. De feito, a sĂşa forma de expresarse Ă© simple, chá e directa, sen grandes floreados poĂ©ticos. Acima de tudo, o autor exprĂ©sase de forma inspirada, dionisĂaca, nen sempre obedecendo a principios estĂ©ticos e artĂsticos de equilibrio. É tamĂ©n versátil nas sĂşas manifestaciĂłns: se, por un lado, parece ser unha alma rebelde, temeraria, impiedosa no que toca en demostrar os vicios dos outros, case da mesma forma que se esperarĂa dun inconsciente e tolo bobo da corte, por outro lado, mĂłstrase dĂłcil, humano e ternurento na sĂşa poesĂa de cariz relixioso e cando se trata de defender aqueles a quen a sociedade maltrata. O seu lirismo relixioso, de raiz medieval e que demostra influencias das Cantigas de Santa Maria está ben presente, por exemplo, no Auto de Mofina Mendes, na cena da AnunciazĂŁo, ou numa oraciĂłn dita por Santo Agostiño no Auto da Alma. Por esa razĂłn Ă©, por veces, designado como "poeta da Virxe".
O seu lirismo patriĂłtico presente en "Exortação da Guerra", Auto da fama ou Cortes de JĂşpiter, non se limita a glorificar, en estilo Ă©pico e orgulloso, a nacionalidade: de feito, Ă© crĂtico e eticamente preocupado, principalmente no que di respeito aos vicios nacidos da nova realidade econĂłmica, decorrente do comĂ©rcio co Oriente (Auto da India). O lirismo amoroso, por outro lado, consegue aliar algun erotismo e alguma brexeirice con influencias mais eruditas (Petrarca, por exemplo).
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Elementos filosĂłficos na obra vicentina
Os temas natalicios, moito presentes na obra de Gil Vicente desde a primeira encomenda de Dona Leonor, teñen tambĂ©n un significado fortemente simbĂłlico e suxestivo. AquĂ, unha pintura do contemporáneo Vicente Gil (non confundir co dramaturgo!)
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Os temas natalicios, moito presentes na obra de Gil Vicente desde a primeira encomenda de Dona Leonor, teñen tambĂ©n un significado fortemente simbĂłlico e suxestivo. AquĂ, unha pintura do contemporáneo Vicente Gil (non confundir co dramaturgo!)
A obra de Gil Vicente transmite uma visiĂłn do mundo que se assemella e se posiciona como unha perspectiva persoal do Platonismo: existen dous mundos - o Mundo Primeiro, da serenidade e do amor divino, que leva á paz interior, ao sosego e a unha "resplandecente gloria", como dá conta a sĂşa carta a D. JoĂŁo III; e o Mundo Segundo, aquel que retrata nas sĂşas farsas: un mundo "todo ele falso", cheo de "canseiras", de desorde sen remĂ©dio, "sen firmeza certa". Estes dous mundos reflectense en temas diversos da sĂşa obra: por un lado, o mundo dos defectos humanos e das caricaturas, servidos sen grande preocupaciĂłn de verosimillanza ou de rigor histĂłrico. Moitos autores critican en Gil Vicente os anacronismos e as fallas na narrativa mais, para alguĂ©n que consideraba o mundo retratado como pleno de falsidades, esas serĂan apenas mais algunhas, sen importancia e sen dano para a mensaxe que se pretendĂia transmitir. Por outro lado, o autor valoriza os elementos mĂticos e simbĂłlicos relixiosos do Nadal: a figura da Virxe Nai, do Deus Menino, da noite natalicia, demostrando aĂ un celo lĂrico e unha vontade de harmonĂa e de pureza artĂstica que non existe nas suas mais coñecidas obras de crĂtica social.
Sen as caracterĂsticas do maniqueĂsmo que tantas vezes se constatan nas pezas teatrais de quen defende uma tal visiĂłn do Mundo, hai, realmente, a presenza dun forte contraste nos elementos cĂ©nicos usados por Gil Vicente: a luz contra a sombra, non nunha luta feroz, mais en convivencia case amigábel. A noite de nadal tĂłrnase tamĂ©n aquĂ a imaxe perfecta que resume a concepciĂłn cĂłsmica de Gil Vicente: as grandes trevas emolduran a gloria divina da maternidade, do nacemento, do perdĂłn, da serenidade e da boa vontade - mais sen a escuridade, que serĂa da claridade?
Legado
NĂłtese que a obra de Gil Vicente non se reduce ao teatro, mais tamĂ©n á poesĂa. Podemos citar varios villancicos e cantigas, ainda influenciadas polo estilo palaciano e temas dos trovadores. Varios compositores teĂ©n traballado con poemas de Gil Vicente na forma de lied (principalmente algunhas traduciĂłns para o alemán, feitas por Emanuel von Geibel), como Max Bruch ou Robert Schumann, o que demostra o carácter universal da sĂşa obra.
Os seus fillos, Paula e LuĂs Vicente, foron os responsábeis da primeira ediciĂłn das suas obras completas. En 1586, sae do prelo unha segunda edição, con moitas pssaxes censuradas pola InquisiciĂłn. SĂł no sĂ©culo XIX se farĂa a redescoberta do autor, coa terceira ediciĂłn de 1834, en Hamburgo, levada a cabo por Barreto Feio.
Obras
* Auto do vaqueiro ou Auto da visitazĂŁo (1502)
* Auto pastoril castelhano (1502)
* Auto dos Reis Magos (1503)
* Auto de son Martinho (1504)
* Quen ten farelos? (1505)
* Auto da Alma (1508)
* Auto da ĂŤndia (1509)
* Auto da FĂ© (1510)
* O velho da horta (1512)
* Exortação da Guerra (1513)
* Comédia do viúvo (1514)
* Auto da Fama (1516)
* Auto da barca do inferno (1517)
* Auto da barca do purgatĂłrio(1518)
* Auto da barca da glĂłria (1519)
* Cortes de JĂşpiter (1521)
* Comédia de Rubena (1521)
* Farsa de Inés Pereira (1523)
* Auto pastoril portuguĂŞs (1523)
* Frágua de amor' (1524)
* Farsa do juiz da Beira (1525)
* Farsa do templo de Apolo (1526)
* Auto da nau de amores (1527)
* Auto da HistĂłria de Deus (1527)
* Tragicomédia pastoril da Serra da Estrela (1527)
* Farsa dos almocreves (1527)
* Auto da feira (1528)
* Farsa do clérigo da Beira (1529)
* Auto do triunfo do Inverno (1529)
* Auto da Lusitânia, intercalado co entremés Todo-o-Mundo e Ninguém (1532)
* Auto de Amadis de Gaula (1533)
* Romagen de agravos (1533)
* Auto da Cananea (1534)
* Auto de Mofina Mendes (1534)
* Floresta de Enganos (1536)
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