As raparigas lá de casa
Como eu amei as raparigas lá de casa
discretas fabricantes da penumbra
guardavam o meu sono como se guardassem
o meu sonho
repetiam comigo as primeiras palavras
como se repetissem os meus versos
povoavam o silêncio da casa
anulando o chão os pés as portas por onde
saíam
deixando sempre um rastro de hortelã
traziam a manhã
cada manhã
o cheiro do pão fresco da humidade da terra
do leite acabado de ordenhar.
(se voltassem a passar todas juntas agora
veríeis como ficava no ar o odor doce e
[materno
das manadas quando passam)
aproximavam-se as raparigas lá de casa
e eu escutava a inquieta maresia
dos seus corpos
umas vezes duros e frios como seixos
outras vezes tépidos como o interior dos frutos
no outono
penteavam-me
e as suas mãos eram leves e frescas como as folhas
na primavera
não me lembro da cor dos olhos quando olhava
os olhos das raparigas lá de casa
mas sei que era neles que se acendia
o sol ou se agitava a superfície dos lagos
do jardim com lagos a que me levavam de mãos
[dadas
as raparigas lá de casa
que tinham namorados e com eles
traíama nossa indefinível cumplicidade
eu perdoava sempre e ainda agora perdoo
às raparigas lá de casa
porque sabia e sei que apenas o faziam
por ser esse o lado mau de sua inexplicável
[bondade
o vício da virtude da sua imensa ternura
da ternura inefável do meu primeiro amor
do meu amor pelas raparigas lá de casa.
Emanuel Félix
nove rumores do mar
antologia de poesia açoreana contemporânea
organização de eduardo bettencourt pinto
Instituto Camões
4 comentários:
Muito bonito!!!!
******
É...:)
Tenho uma novidade para te contar, logo escrevo. Beijinhos.
Ah sim????
Manda por mail ;)
Emanuel FĂ©lix Borges da Silva nasceu em Angra do HeroĂsmo a 24 de Outubro de 1936 e faleceu no dia 14 de Fevereiro de 2004 na mesma cidade. Poeta, ensaĂsta, autor de contos e crĂłnicas, crĂtico literário e de artes plásticas. Foi considerado o introdutor do concretismo poĂ©tico em Portugal, que cedo rejeitou, tendo passado pela experiĂŞncia surrealista.
Fundou e foi co-director da revista Gávea (1958). Foi co-director da revista Atlântida, do Instituto Açoriano de Cultura. Iniciou os seus estudos nos Açores, tendo, porĂ©m, feito quase toda a sua preparação tĂ©cnico-profissional no estrangeiro, designadamente no Instituto FrancĂŞs de Restauro de Obras de Arte (Paris), na Escola Superior de Belas-Artes do Anderlecht e na Universidade CatĂłlica de Lovaina, onde se especializou no LaboratĂłrio de Estudo de Obras de Arte por MĂ©todos CientĂficos do Instituto Superior de Arqueologia e HistĂłria da Arte da mesma Universidade.
Efectuou visitas de estudo e frequentou estágios de longa duração em institutos superiores e serviços cientĂficos de museus de Paris, RuĂŁo, Bruxelas, LiĂ©ge, AmsterdĂŁo, Londres, Roma, Florença, etc.
Foi responsável pela criação do Centro de Estudo, Conservação e Restauro de Obras de Arte dos Açores, que dirigiu e onde organizou, com o apoio do Fundo Social Europeu, cursos de formação para tĂ©cnicos de restauro de pintura de cavalete. Tendo iniciado a sua vida como professor do ensino primário, foi tambĂ©m professor do ensino secundário e, por fim, do ensino superior, havendo proposto e colaborado na reestruturação do "curriculum" do Curso Superior de Conservação e Restauro da Escola Superior de Tecnologia de Tomar, onde leccionou Tecnologia da Pintura e TĂ©cnicas de Conservação e Restauro, disciplinas cujo conteĂşdo programático elaborou. Na mesma Escola Superior, prestou serviços no âmbito dos estudos, da consultadoria, do desenvolvimento cientĂfico do respectivo laboratĂłrio de restauro e da direcção de estágios de especialidade.
Fez parte do grupo de peritos do "Projecto 10" do CDCC do Conselho da Europa, que realizou numerosas audições com vista ao estudo das dinâmicas culturais no desenvolvimento de diversas regiões europeias. Proferiu conferências e participou de mesas redondas em associações culturais e universidades dos Estados Unidos da América. É membro individual de diversas instituições culturais nacionais e estrangeiras. Tem algumas centenas de artigos publicados em jornais e revistas dos Açores, do Continente Português e do Estrangeiro. Está representado em numerosas antologias poéticas.
As suas principais obras publicadas sĂŁo o Vendedor de Bichos (Poesia) Lisboa, 1965; Angra no Ăšltimo Quartel do SĂ©culo XVI, Angra do HeroĂsmo, 1967; A Palavra O Açoite (Poesia) Coimbra, 1977; A Viagem PossĂvel (Poesia, 1965/81) Angra do HeroĂsmo, 1984; Seis Nomes de Mulher (Poesia) Angra do HeroĂsmo, 1985; AntĂłnio Dacosta - Esboço de um Roteiro Sentimental, Angra do HeroĂsmo, 1988; O Dragoeiro (Dracaena Draco da MacaronĂ©sia) Chave da Grande Obra em JerĂłnimo Bosch, Angra do HeroĂsmo, 1988; Conceito e Dinâmica do PatrimĂłnio Cultural, Angra do HeroĂsmo, 1989; O Instante Suspenso (Poesia) Angra do HeroĂsmo, 1992; A Viagem PossĂvel (2ďż˝ edição refundida e actualizada) Lisboa, 1993; Os Trincos da MemĂłria (Ficção Narrativa) Ponta Delgada, 1994; Iconografia e SimbĂłlica do EspĂrito Santo nos Açores, Praia da VitĂłria, 1995; Habitação das Chuvas (Poesia), Angra do HeroĂsmo, 1997. Tem para publicar, entre outras: Paramentos Antigos dos Açores - SĂ©cs. XIV, XV e XVI (HistĂłria da Arte), Comunicação, Cultura, Liberdade (artigos, comunicações, conferĂŞncias e outros textos de intervenção).
(Projecto Vercial)
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