terça-feira, agosto 15, 2006

Emanuel Félix

As raparigas lá de casa

Como eu amei as raparigas lá de casa
discretas fabricantes da penumbra
guardavam o meu sono como se guardassem
o meu sonho
repetiam comigo as primeiras palavras
como se repetissem os meus versos
povoavam o silêncio da casa
anulando o chão os pés as portas por onde
saíam
deixando sempre um rastro de hortelã
traziam a manhã
cada manhã
o cheiro do pão fresco da humidade da terra
do leite acabado de ordenhar.
(se voltassem a passar todas juntas agora
veríeis como ficava no ar o odor doce e
[materno
das manadas quando passam)

aproximavam-se as raparigas lá de casa
e eu escutava a inquieta maresia
dos seus corpos
umas vezes duros e frios como seixos
outras vezes tépidos como o interior dos frutos
no outono
penteavam-me
e as suas mãos eram leves e frescas como as folhas
na primavera
não me lembro da cor dos olhos quando olhava
os olhos das raparigas lá de casa
mas sei que era neles que se acendia
o sol ou se agitava a superfície dos lagos
do jardim com lagos a que me levavam de mãos
[dadas
as raparigas lá de casa
que tinham namorados e com eles
traíama nossa indefinível cumplicidade

eu perdoava sempre e ainda agora perdoo
às raparigas lá de casa
porque sabia e sei que apenas o faziam
por ser esse o lado mau de sua inexplicável
[bondade
o vício da virtude da sua imensa ternura
da ternura inefável do meu primeiro amor
do meu amor pelas raparigas lá de casa.


Emanuel Félix
nove rumores do mar
antologia de poesia açoreana contemporânea
organização de eduardo bettencourt pinto
Instituto Camões

4 comentários:

Dunyazade disse...

Muito bonito!!!!

******

fernanda f disse...

É...:)
Tenho uma novidade para te contar, logo escrevo. Beijinhos.

Dunyazade disse...

Ah sim????

Manda por mail ;)

Anónimo disse...

Emanuel Félix Borges da Silva nasceu em Angra do Heroísmo a 24 de Outubro de 1936 e faleceu no dia 14 de Fevereiro de 2004 na mesma cidade. Poeta, ensaísta, autor de contos e crónicas, crítico literário e de artes plásticas. Foi considerado o introdutor do concretismo poético em Portugal, que cedo rejeitou, tendo passado pela experiência surrealista.
Fundou e foi co-director da revista Gávea (1958). Foi co-director da revista Atlântida, do Instituto Açoriano de Cultura. Iniciou os seus estudos nos Açores, tendo, porém, feito quase toda a sua preparação técnico-profissional no estrangeiro, designadamente no Instituto Francês de Restauro de Obras de Arte (Paris), na Escola Superior de Belas-Artes do Anderlecht e na Universidade Católica de Lovaina, onde se especializou no Laboratório de Estudo de Obras de Arte por Métodos Científicos do Instituto Superior de Arqueologia e História da Arte da mesma Universidade.

Efectuou visitas de estudo e frequentou estágios de longa duração em institutos superiores e serviços científicos de museus de Paris, Ruão, Bruxelas, Liége, Amsterdão, Londres, Roma, Florença, etc.

Foi responsável pela criação do Centro de Estudo, Conservação e Restauro de Obras de Arte dos Açores, que dirigiu e onde organizou, com o apoio do Fundo Social Europeu, cursos de formação para técnicos de restauro de pintura de cavalete. Tendo iniciado a sua vida como professor do ensino primário, foi também professor do ensino secundário e, por fim, do ensino superior, havendo proposto e colaborado na reestruturação do "curriculum" do Curso Superior de Conservação e Restauro da Escola Superior de Tecnologia de Tomar, onde leccionou Tecnologia da Pintura e Técnicas de Conservação e Restauro, disciplinas cujo conteúdo programático elaborou. Na mesma Escola Superior, prestou serviços no âmbito dos estudos, da consultadoria, do desenvolvimento científico do respectivo laboratório de restauro e da direcção de estágios de especialidade.

Fez parte do grupo de peritos do "Projecto 10" do CDCC do Conselho da Europa, que realizou numerosas audições com vista ao estudo das dinâmicas culturais no desenvolvimento de diversas regiões europeias. Proferiu conferências e participou de mesas redondas em associações culturais e universidades dos Estados Unidos da América. É membro individual de diversas instituições culturais nacionais e estrangeiras. Tem algumas centenas de artigos publicados em jornais e revistas dos Açores, do Continente Português e do Estrangeiro. Está representado em numerosas antologias poéticas.

As suas principais obras publicadas são o Vendedor de Bichos (Poesia) Lisboa, 1965; Angra no Último Quartel do Século XVI, Angra do Heroísmo, 1967; A Palavra O Açoite (Poesia) Coimbra, 1977; A Viagem Possível (Poesia, 1965/81) Angra do Heroísmo, 1984; Seis Nomes de Mulher (Poesia) Angra do Heroísmo, 1985; António Dacosta - Esboço de um Roteiro Sentimental, Angra do Heroísmo, 1988; O Dragoeiro (Dracaena Draco da Macaronésia) Chave da Grande Obra em Jerónimo Bosch, Angra do Heroísmo, 1988; Conceito e Dinâmica do Património Cultural, Angra do Heroísmo, 1989; O Instante Suspenso (Poesia) Angra do Heroísmo, 1992; A Viagem Possível (2� edição refundida e actualizada) Lisboa, 1993; Os Trincos da Memória (Ficção Narrativa) Ponta Delgada, 1994; Iconografia e Simbólica do Espírito Santo nos Açores, Praia da Vitória, 1995; Habitação das Chuvas (Poesia), Angra do Heroísmo, 1997. Tem para publicar, entre outras: Paramentos Antigos dos Açores - Sécs. XIV, XV e XVI (História da Arte), Comunicação, Cultura, Liberdade (artigos, comunicações, conferências e outros textos de intervenção).
(Projecto Vercial)