quarta-feira, agosto 02, 2006

Jorge Guimarães

SEXTA ODE

NESSA MARGEM DO TEMPO

Qual é a proporção entre mim e o céu?
Porque é que o infinito me suspende
da beira do meu túmulo, que o destino já marcou?
Porque é que sou capaz de compreender as estrelas
e ignoro a razão delas
tanto como a minha?
Porque é que sinto em mim o infinito
como se eu próprio fosse feito dele
e a minha vida tomba como folha
caduca e para sempre?
Porque é que a morte é eterna
e o tempo só me sobra para percebê-lo?
Porque é que ele luta contra mim
se sabe bem quem é o vencedor?
Porque é que as estrelas e as formigas morrem
e renascem outros astros, outros homens
e eu me desfaço como pirâmide
reduzida pelo vento a alguma areia?
Quanto dura um cedro do Líbano,
ou uma catedral, uma montanha,
a sístole dum astro, a viagem da térmita
arrastando um bago de trigo?
E o meu coração, que vai espremendo o sangue,
como deve por vezes estar cansado,
e os meus pés que vão somando passos
aquietam-se esquecidos sobre a erva,
e os olhos que me contavam astros
já se contentam com alguma estrela,
e a vida que em mim fremia, descontente,
passa-me à beira, fria, como um rio,
e o regaço das mulheres que me embalava
esconde-me o desejo emparedado

Porque é que as gerações futuras não são praias
aonde o tempo empurre a minha vida,
porque é que a vida é casta de prazer,
adoecida de tempo, embebedada de sonho,
porque é que eu sei as coisas do meu ser
difusa, esparsamente, quando ponho
os meus olhos em mim e me abandono
nessa margem do tempo onde parado
me julgo a imaginar o seu silêncio.
A ideia do silêncio onde me guardo.


2/7/87, Londres
Jorge Guimarães
Odes Nocturnas
Guimarães Editores
1990

Sem comentários: