quarta-feira, fevereiro 28, 2007

Letra C - Carlos Nejar

IX

IMITAÇÃO DA TERRA

Imitamos a terra.
Depois vamos a ela,
taciturnos.

Vamos por ela,
ao açude
da verde eternidade.

Indissolúvel
o coração na terra,
navegador
sob a pesada noite.

Os epitáfios roem
os epitáfios.
E nem o musgo
do escondido mundo
nos faz recuperável.

Carlos Nejar
A Idade da Eternidade
Poesia Reunida
Escritores dos Países
de Língua Portuguesa
Imprensa Nacional-Casa da Moeda
2001

VII

NOS FAREJA O REAL

O real
é tudo o que conheço,
cheiro, apalpo, devasso
e o que se esquiva,
mesmo incorporado,
o invisível no visível,
o resgate do amor
em cada perda,
o nascer e o não nascido.

Nos fareja o real
e é sol na pedra,
viração sumindo.

E a história rumoreja
no real,
seca-lhe os passos.

Carlos Nejar
A Idade da Eternidade
Poesia Reunida
Escritores dos Países
de Língua Portuguesa
Imprensa Nacional-Casa da Moeda
2001

VIII

AS MÁSCARAS CAINDO

1

O real nos disfarça,
minha amada,
com as máscaras
caindo na medida
em que nós nos percorremos.

2

ÉS real quando corpo
e tua alma desliza
junto à minha nudez
recém-chegada.

E tudo é mais real
quando nos vemos
com a vertigem
de um rosto
no teu rosto
caindo.

Carlos Nejar
A Idade da Eternidade
Poesia Reunida
Escritores dos Países
de Língua Portuguesa
Imprensa Nacional-Casa da Moeda
2001

XXIV

O BEM E O MAL

O bem e o mal
estão entre os meus poros,
as nossas pecúnias
e deveres.

Mas nunca me divido
nessas vozes
e no furtivo casco
dos cavalos.

Que o universo
não seja apenas
braço para alcançar-te,
mas também encalço,
vertigem.

Carlos Nejar
A Idade da Eternidade
Poesia Reunida
Escritores dos Países
de Língua Portuguesa
Imprensa Nacional-Casa da Moeda
2001

ALOENDROS

Os aloendros
os aloendros.
A morte

encheu-me
o sol
da boca.

De aloendros.
É um poço,
amada.

E vai desem-
bocando
em outra água.

Aloendro
aloendro:
eternidade.

Carlos Nejar
A Idade da Eternidade
Poesia Reunida
Escritores dos Países
de Língua Portuguesa
Imprensa Nacional-Casa da Moeda
2001

XXXVII

O HÁLITO DE UM VIVO

À vida, compreendê-Ia
não nos foge.
O vento não persegue
o outro ser do vento.
Dizemos as coisas
e por elas não fica
nem o hábito de um vivo,
a tranquila safra.
Há muito de reserva
na vinha do inconsciente.

Carlos Nejar
A Idade da Eternidade
Poesia Reunida
Escritores dos Países
de Língua Portuguesa
Imprensa Nacional-Casa da Moeda
2001

Numa galeria de Nova Iorque - 2005

 
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Central Park - Nova Iorque - 2005

 
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Letre C - Camilo Pessanha

CAMINHO

Tenho sonhos cruéis; n'alma doente
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente...

Saudades desta dor que em vão procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum véu escuro!...

Porque a dor, esta falta d'harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o céu d'agora,

Sem ela o coração é quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque é só madrugada quando chora.

Camilo Pessanha
Clepsidra
e outros poemas
Colecção Poesia
Edições Ática
1973


II

A MORTE, NO PEGO-DRAGÃO

De onde vem este perfume de flores, embalsa-
mando a noite puríssima?
Entre bouças e fragas, uma cabana de ola, perto
da qual um arroio murmura...
Como de costume, o eremita parte ao surgi1
a lua.
Em um covão do monte, um pássaro, poisado
ininterruptamente gorjeia.

Não lhe importa que as ervas, impregnadas do
orvalho, lhe encharquem as alpercatas de junça.
As suas vestes de ligeiro cânhamo, soergue-as,
enviezando, a brisa primaveril...
À borda da torrente, intento fazer versos ao
viço das orquídeas.
Embargam-mo as saudades, violentas empolgan-
do-me, do Kiang-pei e do Kiang-nan.

Camilo Pessanha
Tradução Poética das Oito Elegias Chinesas
Clepsidra
e outros poemas
Colecção Poesia
Edições Ática
1973


E eis quanto resta do idílio acabado,
- Primavera que durou um momento...
Como vão longe as manhãs do convento!
- Do alegre conventinho abandonado...

Tudo acabou... Anémonas, hidrângeas,
Silindras, - flores tão nossas amigas!
No claustro agora viçam as urtigas,
Rojam-se cobras pelas velhas lájeas.

Sobre a inscrição do teu nome delido!
- Que os meus olhos mal podem soletrar,
Cansados...E o aroma fenecido

Que se evola do teu nome vulgar!
Enobreceu-o a quietação do olvido.
Ó doce, ingénua, inscrição tumular.

Camilo Pessanha
Clepsidra
e outros poemas
Colecção Poesia
Edições Ática
1973

ESTÁTUA

Cansei-me de tentar o teu segredo:
No teu olhar sem cor, - frio escalpelo,
O meu olhar quebrei, a debatê-lo,
Como a onda na crista dum rochedo.

Segredo dessa alma e meu degredo
E minha obsessão! Para bebê-lo
Fui teu lábio oscular, num pesadelo,
Por noites de pavor, cheio de medo.

E o meu ósculo ardente, alucinado,
Esfriou sobre mármore correcto
Desse entreaberto lábio gelado:

Desse lábio de mármore, discreto,
Severo como um túmulo fechado,
Sereno como um pélago quieto.

Camilo Pessanha
Clepsidra
e outros poemas
Colecção Poesia
Edições Ática
1973


Quem poluiu, quem rasgou os meus lençóis de linho,
Onde esperei morrer, - meus tão castos lençóis?
Do meu jardim exíguo os altos girassóis
Quem foi que os arrancou e lançou ao caminho?

Quem quebrou (que furor cruel e simiesco!)
A mesa de eu cear, - tábua tosca, de pinho?
E me espalhou a lenha? E me entornou o vinho?
- Da minha vinha o vinho acidulado e fresco...

Ó minha pobre mãe!... Não te ergas mais da cova.
Olha a noite, olha o vento. Em ruína a casa nova...
Dos meus ossos o lume a extinguir-se breve.

Não venhas mais ao lar. Não vagabundes mais,
Alma da minha mãe... Não andes mais à neve,
De noite a mendigar às portas dos casais.

Camilo Pessanha
Clepsidra
e outros poemas
Colecção Poesia
Edições Ática
1973

VÉNUS

I

À flor da vaga, o seu cabelo verde,
Que o torvelinho enreda e desenreda...
O cheiro a carne que nos embebeda!
Em que desvios a razão se perde!

Pútrido o ventre, azul e aglutinoso,
Que a onda, crassa, num balanço alaga,
E reflui (um olfacto que embriaga)
Que em um sorvo, murmura de gozo.

O seu esboço, na marinha turva...
De pé flutua, levemente curva;
Ficam-lhe os pés atrás, como voando...

E as ondas lutam, como feras mugem,
A lia em que se desfazem disputando,
E arrastando-a na areia, co'a salsugem.

Camilo Pessanha
Clepsidra
e outros poemas
Colecção Poesia
Edições Ática
1973


VIDA

Choveu! E logo da terra humosa
Irrompe o campo das liliáceas.
Foi bem fecunda, a estação pluviosa!
Que vigor no campo das liliáceas!

Calquem. Recalquem, não o afogam.
Deixem. Não calquem. Que tudo invadam.
Não as extinguem. Porque as degradam?
Para que as calcam? Não as afogam.

Olhem o fogo que anda na serra.
É a queimada... Que lumaréu!
Podem calcá-lo, deitar-lhe terra,
Que não apagam o lumaréu.

Deixem! Não calquem! Deixem arder.
Se aqui o pisam, rebenta além.
- E se arde tudo? - Isso que tem?
Deitam-lhe fogo, é para arder...

Camilo Pessanha
Clepsidra
e outros poemas
Colecção Poesia
Edições Ática
1973

domingo, fevereiro 25, 2007

Continuação

Vou tentar reactivar este blogue, com o espírito que sempre teve de uma certa diversidade.
Voltarei às minhas arqueologias, pois creio que ainda tenho bastantes livros, mais ou menos antigos e outros documentos.
Também tenho muita poesia e arte para divulgar.
Mas não vou mexer no que já está publicado, apesar dos erros verificados
Desejem-me boa sorte e desculpem-me