Para ser mais preciso, seu nome completo era Carlos AntĂłnio Teixeira Bastos Nunes Botelho, um nome comprido e complicado para um homem simples, objetivo e directo, versátil no seu trabalho e um dos esteios do modernismo portuguĂŞs.(pitoresco.com.br/portugal).................................Natural de Lisboa, onde nasce em 1899 (m. Lisboa, 1982), ď¬�lho de mĂşsicos, Carlos Botelho quase se proď¬�ssionaliza como violinista, antes de enveredar pelas artes plásticas. ApĂłs breve passagem pela ESBAL, onde Ă© aluno do pintor Ernesto Condeixa, em 1919, opta pelo autodidactismo, abandonando a escola.Iniciando cedo a carreira proď¬�ssional, trabalhou em cerâmica industrial, artes gráď¬�cas (cartazes e ilustração), banda desenhada, caricatura, decoração, tapeçaria, cenograď¬�a de teatro e de ballet e pintura, recebendo, no âmbito das exposições de Arte Moderna organizadas pelo SPN/SNI, o “PrĂ©mio Souza-Cardoso”, em 1938, e o “PrĂ©mio Columbano”, em 1940 (ano em que passa a expor com regularidade).Como quase todos os artistas da segunda geração dos modernistas, Ă© nos campos da caricatura e da ilustração, mais permeáveis Ă experimentação, Ă inovação e ao desejo moderno de cosmopolitismo, que desenvolve obra inicial e encontra mercado. Os seus primeiros anos evidenciarĂŁo, por isso, uma vasta produção para a imprensa, nomeadamente para a revista infantil ABCzinho, onde, desde 1923, publica bandas desenhadas, e para o Sempre Fixe, para o qual cria a página semanal “Ecos da Semana”, a partir de 1929. Publicada ao longo de 22 anos, esta constitui-se como um espaço de reflexĂŁo sobre a identidade humana, e de ensaio do seu pensamento plástico.Mais liberto do que a pintura, o seu desenho de ilustração e caricatura expressa-se atravĂ©s de um traço limpo, de inspiração inicial na herança satĂrica de Rafael Bordalo Pinheiro, mas actualizado pela integração de experiĂŞncias com que se confronta no quotidiano nacional e nas suas mĂşltiplas viagens, e que jamais escusa a grande expressividade e ironia com que deď¬�ne os tipos e as personagens cenográď¬�cas da perseguida elegância urbana. Na pintura, pelo contrário, o registo humorĂstico nĂŁo tem eco e, apĂłs uma incidĂŞncia no retrato, entre 1930 e 1941, o seu tema preferencial será sempre a cidade. O artista dedica-se a inventar mĂşltiplas faces de Lisboa, numa herança que cita um vedutismo (pintura de vistas urbanas italianas do sĂ©culo XVIII), trabalhado, algo caprichoso e fantasista. Veja-se o modo como alguns edifĂcios sĂŁo deliberadamente recriados ou como o rio traça percursos de acordo com as necessidades compositivas. Botelho faz tambĂ©m de Lisboa laboratĂłrio de impressões e experiĂŞncias que traz de outras cidades, de outros pintores. E que cruza com as suas prĂłprias viagens por Lisboa, na escolha dos motivos e dos modos de os registar.Será como decorador de pavilhões oď¬�ciais ou representante de Portugal na Bienal de Veneza (1950) que Botelho mais viajará, nĂŁo perdendo oportunidades de ver pintura. As suas viagens sĂŁo, assim, ocasiões de estudo, para alĂ©m de exercĂcio proď¬�ssional. Irá a Paris, pela primeira vez, em 1929. Voltará em 1931, como um dos reponsáveis pela decoração do PavilhĂŁo PortuguĂŞs da Exposição Colonial Internacional de Vincennes, e, em 1937, a pretexto da Exposição Internacional, cuja equipa de decoradores tambĂ©m integra. Esta Ăşltima estada permite-lhe um mais directo contacto com a obra de Van Gogh e ocasiona uma ida a Bruxelas que lhe terá permitido ver Ensor. Entretanto, em 1935, passara já algum tempo em Itália. A viagem a Nova Iorque em 1939, por ocasiĂŁo da Exposição Internacional, permite-lhe registar a inauguração do MOMA. Destes dias ď¬�ca tambĂ©m o registo da cidade, tomada já como tema central, na sua impressiva verticalidade, cujas linhas servirĂŁo de mote para futuras composições assim estruturadas.Durante os anos 30, para alĂ©m da crĂłnica “Ecos da Semana”, o seu territĂłrio plástico mais explorado será o do retrato, pretexto de sistemática aprendizagem pessoal e da adopção do desenho como estudo prĂ©vio para a pintura, alicerce bem expresso no seu auto-retrato de 1930, em que uma pintura desenhada, de contornos claros e precisos, Ă© servida por uma pincelada fluida que nĂŁo se impõe Ă estrutura.PorĂ©m, a partir dos anos 40, o seu assunto preferencial Ă© já Lisboa, cidade de cuja paisagem Botelho torna progressivamente ausente a ď¬�gura humana. ConstruĂdas sobre uma teia geomĂ©trica orientadora, as primeiras incursões nestes registos denotam uma qualidade táctil, texturada, da mancha, obtida atravĂ©s de uma pincelada que, volumosa, voluptuosa, orienta o olhar para o desenho e cria nuances lumĂnicas na composição. No ď¬�nal da dĂ©cada, uma Lisboa de demolições faz já assomar linhas abstractizantes – a par de outras mais onĂricas –, que se concretizam em experiĂŞncias assumidas, já nos anos 50. PorĂ©m, logo na dĂ©cada seguinte, quando na sua obra se aď¬�rma já uma evidente complementaridade entre desenho e pintura, a cidade despe-se dessa malha, que chega a ser labirĂntica, e ediď¬�ca-se como um registo progressivamente liberto de texturas, no desejo da maior limpidez possĂvel. A sua paleta expressiva, onde pulsa uma luz intensa, dominantemente quente, resulta numa cenograď¬�a de forte pendor lĂrico, sempre sustentada pelo desenho. Lugar de uma multiplicidade de experiĂŞncias plásticas, sĂnteses onde se cruzou tambĂ©m um expressionismo de raiz alemĂŁ, vertente ao tempo modernizadora dessas paisagens, Lisboa aď¬�rma-se como motivo poĂ©tico e dinâmico por excelĂŞncia, espaço pictĂłrico que, assim, se torna revelação Ăntima do olhar do pintor.EMĂŤLIA FERREIRA
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Para ser mais preciso, seu nome completo era Carlos António Teixeira Bastos Nunes Botelho, um nome comprido e complicado para um homem simples, objetivo e directo, versátil no seu trabalho e um dos esteios do modernismo português.
(pitoresco.com.br/portugal)
.................................
Natural de Lisboa, onde nasce em 1899 (m. Lisboa, 1982), �lho de músicos, Carlos Botelho quase se pro�ssionaliza como violinista, antes de enveredar pelas artes plásticas. Após breve passagem pela ESBAL, onde é aluno do pintor Ernesto Condeixa, em 1919, opta pelo autodidactismo, abandonando a escola.
Iniciando cedo a carreira pro�ssional, trabalhou em cerâmica industrial, artes grá�cas (cartazes e ilustração), banda desenhada, caricatura, decoração, tapeçaria, cenogra�a de teatro e de ballet e pintura, recebendo, no âmbito das exposições de Arte Moderna organizadas pelo SPN/SNI, o “Prémio Souza-Cardoso”, em 1938, e o “Prémio Columbano”, em 1940 (ano em que passa a expor com regularidade).
Como quase todos os artistas da segunda geração dos modernistas, é nos campos da caricatura e da ilustração, mais permeáveis à experimentação, à inovação e ao desejo moderno de cosmopolitismo, que desenvolve obra inicial e encontra mercado. Os seus primeiros anos evidenciarão, por isso, uma vasta produção para a imprensa, nomeadamente para a revista infantil ABCzinho, onde, desde 1923, publica bandas desenhadas, e para o Sempre Fixe, para o qual cria a página semanal “Ecos da Semana”, a partir de 1929. Publicada ao longo de 22 anos, esta constitui-se como um espaço de reflexão sobre a identidade humana, e de ensaio do seu pensamento plástico.
Mais liberto do que a pintura, o seu desenho de ilustração e caricatura expressa-se atravĂ©s de um traço limpo, de inspiração inicial na herança satĂrica de Rafael Bordalo Pinheiro, mas actualizado pela integração de experiĂŞncias com que se confronta no quotidiano nacional e nas suas mĂşltiplas viagens, e que jamais escusa a grande expressividade e ironia com que deď¬�ne os tipos e as personagens cenográď¬�cas da perseguida elegância urbana. Na pintura, pelo contrário, o registo humorĂstico nĂŁo tem eco e, apĂłs uma incidĂŞncia no retrato, entre 1930 e 1941, o seu tema preferencial será sempre a cidade. O artista dedica-se a inventar mĂşltiplas faces de Lisboa, numa herança que cita um vedutismo (pintura de vistas urbanas italianas do sĂ©culo XVIII), trabalhado, algo caprichoso e fantasista. Veja-se o modo como alguns edifĂcios sĂŁo deliberadamente recriados ou como o rio traça percursos de acordo com as necessidades compositivas. Botelho faz tambĂ©m de Lisboa laboratĂłrio de impressões e experiĂŞncias que traz de outras cidades, de outros pintores. E que cruza com as suas prĂłprias viagens por Lisboa, na escolha dos motivos e dos modos de os registar.
Será como decorador de pavilhões oď¬�ciais ou representante de Portugal na Bienal de Veneza (1950) que Botelho mais viajará, nĂŁo perdendo oportunidades de ver pintura. As suas viagens sĂŁo, assim, ocasiões de estudo, para alĂ©m de exercĂcio proď¬�ssional. Irá a Paris, pela primeira vez, em 1929. Voltará em 1931, como um dos reponsáveis pela decoração do PavilhĂŁo PortuguĂŞs da Exposição Colonial Internacional de Vincennes, e, em 1937, a pretexto da Exposição Internacional, cuja equipa de decoradores tambĂ©m integra. Esta Ăşltima estada permite-lhe um mais directo contacto com a obra de Van Gogh e ocasiona uma ida a Bruxelas que lhe terá permitido ver Ensor. Entretanto, em 1935, passara já algum tempo em Itália. A viagem a Nova Iorque em 1939, por ocasiĂŁo da Exposição Internacional, permite-lhe registar a inauguração do MOMA. Destes dias ď¬�ca tambĂ©m o registo da cidade, tomada já como tema central, na sua impressiva verticalidade, cujas linhas servirĂŁo de mote para futuras composições assim estruturadas.
Durante os anos 30, para além da crónica “Ecos da Semana”, o seu território plástico mais explorado será o do retrato, pretexto de sistemática aprendizagem pessoal e da adopção do desenho como estudo prévio para a pintura, alicerce bem expresso no seu auto-retrato de 1930, em que uma pintura desenhada, de contornos claros e precisos, é servida por uma pincelada fluida que não se impõe à estrutura.
PorĂ©m, a partir dos anos 40, o seu assunto preferencial Ă© já Lisboa, cidade de cuja paisagem Botelho torna progressivamente ausente a ď¬�gura humana. ConstruĂdas sobre uma teia geomĂ©trica orientadora, as primeiras incursões nestes registos denotam uma qualidade táctil, texturada, da mancha, obtida atravĂ©s de uma pincelada que, volumosa, voluptuosa, orienta o olhar para o desenho e cria nuances lumĂnicas na composição. No ď¬�nal da dĂ©cada, uma Lisboa de demolições faz já assomar linhas abstractizantes – a par de outras mais onĂricas –, que se concretizam em experiĂŞncias assumidas, já nos anos 50. PorĂ©m, logo na dĂ©cada seguinte, quando na sua obra se aď¬�rma já uma evidente complementaridade entre desenho e pintura, a cidade despe-se dessa malha, que chega a ser labirĂntica, e ediď¬�ca-se como um registo progressivamente liberto de texturas, no desejo da maior limpidez possĂvel. A sua paleta expressiva, onde pulsa uma luz intensa, dominantemente quente, resulta numa cenograď¬�a de forte pendor lĂrico, sempre sustentada pelo desenho. Lugar de uma multiplicidade de experiĂŞncias plásticas, sĂnteses onde se cruzou tambĂ©m um expressionismo de raiz alemĂŁ, vertente ao tempo modernizadora dessas paisagens, Lisboa aď¬�rma-se como motivo poĂ©tico e dinâmico por excelĂŞncia, espaço pictĂłrico que, assim, se torna revelação Ăntima do olhar do pintor.
EMĂŤLIA FERREIRA
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