quarta-feira, novembro 22, 2006

Kerry Hardy

O que Resta

Antes eu esperava pelas flores
o meu prazer repousava nelas.
Agora gosto das plantas antes de florir.
das folhosas - esporas-bravas, consoldas, dedaleiras -
camadas carnudas de folhas vigorosas erguendo-se
para o ar que cresce cada dia em luz, cintilante
de pó que fulge como a sombra dos olhos
que usa aquela rapariga alta da livraria,
as migalhas de brilho trémulo nas pálpebras brancas.

A roupa lavada dança na corda, os pardais arrastam
os montes de ervas que deixei espalhados a secar.
Talvez seja a meia-idade. Desarrumada, inacabada,
sabendo que agora não haverá tempo para acabar,
gostando das plantas - das vidas vigorosas -
sem cuidar das flores, sentada nas ervas
para anotar coisas, olhar as coisas,
observar a dança das camisas na corda
o pano filtrando a luz.

Sei mais ou menos
como viver a minha vida.
Mas quero saber como viver o que resta
com os olhos abertos e as mãos abertas;
quero estar de pé à porta, à chuva,
à escuta, a farejar, pasmada.
Temerosa e feliz,
como uma idiota perante Deus.


Kerry Hardy
Poesia do Mundo
Tradução de
ADRIANA BEBIANO

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