quinta-feira, novembro 16, 2006

Minês Castanheira




Ontem pairaste ao meu lado toda a tarde.
E toda a tarde bateste portas, arranhaste paredes, acendeste a apagaste luzes.
Mas não disseste o meu nome.
Se dissesses, sabias que eu olhava.

Não foi a primeira vez que cá estiveste.
Da última, esqueço-me sempre, como foi?
Uma frase fugidia. Não sei
se não a ouvi ou se simplesmente não a quis aqui comigo.

É sempre assim quando passas por aqui
- as letras entendem-se melhor quando não gostam umas das outras.
E depois, como sempre, deixas ficar algo de ti.
Para ti.

Estive a pensar nos trincos
será que se pode por trincos em trincos?
e em como teria sido fácil gastar-te agora aqui
se quando acordei não tivesses ido embora.

Estive a pensar em torcer-te com as minhas próprias mãos
até nada mais de semântico de ti restar.
Mas depois de pouco servias.
Perder-se-iam as pausas, os silêncios que acotovelam palavras, as vogais das coisas.


Minês Castanheira
plasticidades
Prefácio de
Manuel António Pina
Editorial Magnólia



UM PLURAL


Hoje estive quase a dizer-te
um plural.
O todo de um mundo.

Hoje estive quase a lançar-nos no escuro,
Atirar-nos com força
De encontro ao tacto.
E reter dessa colisão o instante em que a película é escrita.

Guardar-te na foto. Reter-te a palavra na memória.

E mostrar-te que a imagem que retorna, às vezes
do corpo,
outras no porto
é a palavra vertida que fica de nós.
Noctuma.

Hoje desisti a tempo de te dizer o que já sabias...
De te falar sobre todas as horas fundas
que as tuas mãos tocaram
e eu deixei fora da fotografia.

De te contar sobre o todo de um mundo
Engolido por dentro
Devorado pela própria lágrima.

A do poema.

Hoje quis dizer-te
porque escrevo.


Minês Castanheira
plasticidades
Prefácio de
Manuel António Pina
Editorial Magnólia

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