quinta-feira, novembro 30, 2006

Picasso na O.N.U. - N. Y.

José Agostinho Baptista

NÃO SEI

Não sei quanto tempo ficarei aqui, junto a
esta janela.
Imagino os fogos-de-santelmo,
a aurora boreal,
o mistério das três-marias,
e de vez em quando há uma sirene que me
lembra como é breve a viagem entre tudo e
quase nada.

Agora, que parti,
deita-se sobre as terras da noite a minha
vida magoada.
Diz-me:
que farei ao piano das casas desoladas?
Que estranhos seres dançam silenciosamente
em plena madrugada?
Quem ordena o princípio das tempestades?

Os náufragos apareciam depois, com a cor
que traziam dos lilases.
Nunca mais as noivas do mar regressaram à
capela onde rezavam à Senhora dos
navegantes e dos solitários.
Nunca mais te vi.

Junto a esta janela,
penso nos recifes, nos cabos do medo.
Ao anoitecer,
os faróis iluminam os promontórios.

Subitamente, é demasiado tarde.

Está sempre frio aqui,
no peitoril onde uma vela arde, desde cedo
como se ardesse nos insondáveis templos
muito além.


José Agostinho Baptista
Esta voz é quase o vento
Assírio & Alvim

terça-feira, novembro 28, 2006

domingo, novembro 26, 2006

Mário Cesariny

Mário Cesariny deixou-nos... mas não totalmente

O POETA CHORAVA...

O poeta chorava
o poeta buscava-se todo
o poeta andava de pensão em pensão
comia mal tinha diarreias extenuantes
mas buscava uma estrela talvez a salvação?
O poeta era sinceríssinlo
honesto
total
raras vezes tomava o eléctrico
em podendo
voltava
não podendo
ver-se-ia
tudo mais ou menos
a cair de vergonha
mais ou menos
como os ladrões

E agora o poeta começou por rir
rir de vós ó manutensores
da afanosa ordem capitalista
comprou jornais foi para casa leu tudo
quando chegou Ă página dos anúncios
o poeta teve um vómito que lhe estragou
as únicas que ainda tinha
e pôs-se a rir do logro é um tanto sinistro
mas é inevitável é um bem é uma dádiva

Tirai-lhe agora os poemas que ele próprio despreza
negai-lhe o amor que ele mesmo abandona
caçai-o entre a multidão
crucificai-o de novo mas com mais requinte.
Subsistirá. É pior do que isso.
Prendei-o. Viverá de tal forma
que as próprias grades farão causa com ele.
E matá-lo não é solução.
O poeta
O Poeta
O POETA DESTROI-VOS

Mário Cesariny
nobilíssima visão
Colecção Poesia e Verdade
Guimarães & C.ª Editores
1976



BARRICADA

Quando já não pudermos mais chorar e as palavras forem peque-
ninos suplícios e olhando para trás virmos apenas homens desmaia-
dos, então alguém saltará para o passeio, com o rosto já belo, já
espontâneo e livre, e uma canção nascida de nós ambos, do mais
fundo de nós, a exaltar-nos!
Tu sabes se te quero e se fomos os dois abandonados, abandona-
dos para uma bandeira, para um riso que sangre, para um salto no
escuro, abandonados pelos lúgubres deuses, pelo filme que corre e
desaparece, pela nota de vinte e um pedais, pela mobília de duas
cadeiras e uma cama feita para morrer de nojo. Minha criança a
quem já só falta cuspir e enviar corpo e bens para a barricada, meu
igual, tu segues-me; tu sabes que o caminho é insuportavelmente
puro e nosso, é um duende gritando no telhado as ervas misteriosas,
é um rapaz crescendo ao longo dos teus braços, é um lugar para sem-
pre solene, para sempre temido! E o Rossio é uma praça para fazer
chorar. Salvé, ó arquitectos! Mas choremos tanto que será um dilú-
vio. Automóveis-dilúvio. Sobretudos-dilúvio. Soldadinhos-dilúvio. E
quando essa água morna inundar tudo, então, ó arquitectos, traba-
lhai de novo, mas com igual requinte e igual vontade: vinde trazer-
nos rosas e arame, homens e arame, rosas e arame.


MÁRIO CESARINY
A ÚNICA REAL TRADIÇÃO VIVA
Antologia da Poesia Surrealista Portuguesa
Perfecto E. Quadrado
Assírio & Alvim

Singapura







http://www.joanagarrido.com/photoblog/

sexta-feira, novembro 24, 2006

Letra B - Boris Vian

DELIGNY*

É preciso que se diga, com pesar
As mulheres belas nuas não coincidem jamais
Com as beldades vestidas
Existem naturalmente excepções
A minha mulher, para começar. A sua também
Se tiver escrito estas linhas
Mas eu cá não acredito, mente como eu respiro.

Boris Vian
Cantilenas em geleia
Tradução e Nota Introdutória de
Margarida Vale de Gato
Relógio d´Água

........................................................................................................
* Piscina pública flutuante no cais Anatole-France, extinta em 1993.



ESPATIFAM O MUNDO


Espatifam o mundo
Aos bocados
Espatifam o mundo
À martelada
Mas estou-me nas tintas
Estou-me bem nas tintas
Sobra bastante para mim
Sobra bastante
Basta que eu ame
Uma pena azul
Um caminho de areia
Uma ave medrosa
Basta que eu ame
Um pé de erva ralo
Uma gota de orvalho
Um grilo do bosque
Podem dar cabo do mundo
Aos bocados
Sobra bastante para mim
Sobra bastante
Terei sempre um pouco de ar
Um pequeno fio de vida
Alguma luz no olhar
E o vento nas urtigas
E mesmo se, mesmo se
Me meterem na prisão
Sobra bastante para mim
Sobra bastante
Basta que eu ame
Essa pedra corroída
Esses ganchos de ferro
Onde o sangue se demora
Amo, eu amo
A tábua gasta da cama
A enxerga na madeira
A poeira soalheira
Amo o ralo que se abre
Os homens agora entrados
Que avançam, que me levam
Ao reencontro do mundo
Ao reencontro da cor
Amo esses longos montantes
O cutelo triangular
Os senhores que estão de luto
Orgulho-me da minha festa
Amo, eu amo
O cesto cheio de farelo
Para pousar a cabeça
Oh, amo-o a valer
Basta que eu ame
Um pezinho de erva ralo
Uma gotinha de orvalho
Um amor tímido de ave
Espatifam o mundo
Com seus pesados martelos
Sobra bastante para mim
Sobra bastante, meu amor.

Boris Vian
Cantilenas em geleia
Tradução e Nota Introdutória de
Margarida Vale de Gato
Relógio d´Água



DE TANTO SE VEREM


De tanto se verem
Há palavras que vos poriam doentes
Palavras conhecidas mas muito perigosas de manejar
A não ser que sejam rodeadas de música
Também há quem meta açúcar nas amêndoas amargas
Palavras como areia, erva
Como sol, como deitados lado a lado
Como pele dourada, como cabelos louros
Como dentes brilhantes e lábios salgados
E depois outras palavras, ainda mais perigosas
“Ninguém à vista, podemos seguir”
E as mais perigosas de todas:
“É ainda melhor à quinta vez.”
Felizmente, que há carradas de aeronaves
A fabricarem fenomenologia a granel
E a meterem-vos bombas atómicas de atravesso pela
goela...
Peço desculpa... o sopro da inspiração...
Não é todos os dias que a musa nos visita.

Boris Vian
Cantilenas em geleia
Tradução e Nota Introdutória de
Margarida Vale de Gato
Relógio d´Água



ESTIVERA ELA AQUI TÁO PESADA


Estivera ela aqui tão pesada
Com o seu ventre de ferro
E as suas abas de latão
Os seus tubos de água e de febre
Correria sobre os carris
Como a morte na guerra
Como a sombra nos olhos
Nela há tanto trabalho
Tantas e tantas horas de lima
Tanta pena e tantas dores
Tanta cólera e tanto ardor
E há tantos tantos anos
Tantas visões amontoadas
De vontade concentrada
De feridas e de orgulhos
Metal arrancado ao chão
Martirizado pela chama
Dobrado atormentado rebentado
Torcido em forma de sonho
Está o suor das eras
Fechado nesta gaiola
Dez e cem mil anos de espera
E de rudeza vencida
Se sobrasse
Um pássaro
E uma locomotiva
E eu sozinho no deserto
Com o pássaro e a coisa
E me dissessem escolhe
Que faria eu que faria
Ele teria um bico miúdo
Como convém aos conirrostros
Botões brilhantes nos olhos
E pequeno ventre redondo
Eu tê-lo-ia na mão
O coração bater-lhe-ia tão depressa.
A toda a volta o fim do mundo
Em duzentos e doze episódios
Ele teria penas cinzentas
Um pouco de ferrugem na quilha
E suas finas patas secas
Agulhas forradas de pele
Então que é que há-de guardar
Pois tudo tem de perecer
Mas pelos seus leais serviços
Deixamo-lo conservar
Uma única amostra
Pouca-terra ou passaroco
Recomeçar tudo do princípio
Todos os espessos segredos perdidos
Toda a ciência desmoronada
Se eu deixar a máquina
Mas as suas penas são tão finas
E o seu coração bateria tão depressa
Que eu guardaria o pássaro

Boris Vian
canções e poemas



DE BARBATANAS


A Sereia é um animal, regra geral louro,
Que se instala a um canto de um mar movimentado
E se estende sobre um enorme calhau
À espreita dos intrépidos navegantes
Por motivos extra-náuticos
A Sereia grita como um desalmado
Em primeiro lugar, para atrair os homens
Mas na realidade, também para demonstrar
Que não é um peixe verdadeiro.

Apesar desse complexo de inferioridade
Nunca hesita em fazer olhinhos aos grandes capitães
peludos
Mas a Sereia não tem sorte nenhuma
Porque na esteira de Monsieur Dufrenne*
Sabemos que os marinheiros têm (às vezes) maus
costumes.


Boris Vian

* Personalidade parisiense dos anos 30. director do Casino de Paris e do
ace, conselheiro municipal e general. que foi assassinado. provavel-
ente por um jovem prostituto e antigo marinheiro, que conservava o uni-
mie para as suas actividades lucrativas.


La vie, c'est comme une dent
D'abord on y a pas pensé
On s'est contenté de mâcher
Et puis ça se gâte soudain
Ça vous fait mal, et on y tient
Et on la soigne et les soucis
Et pour qu'on soit vraiment guéri
Il faut vous l'arracher, la vie

Boris Vian



Chérie viens près de moi
Ce soir je veux chanter
Une chanson pour toi.

Une chanson sans larmes
Une chanson légère
Une chanson de charme.

Le charme des matins
Emmitouflé de brume
Où valsent les lapins.

Le charme des étangs
Où de gais enfants blonds
Pêchent des caïmans.

Le charme des prairies
Que l'on fauche en été
Pour pouvoir si rouler.

Le charme des cuillères
Qui raclent les assiettes
Et la soupe aux yeux clairs.

Le charme de l'œuf dur
Qui permis à Colomb
Sa plus belle invention.

Le charme des vertus
Qui donnent au péché
Goût de fruit défendu.

J'aurais pu te chanter
Une chanson de chêne
D'orme ou de peuplier.

Une chanson d'érable
Une chanson de teck
Aux rimes plus durables.

Mais sans bruit ni vacarme
J'ai préféré tenter
Cette chanson de charme.

Charme du vieux notaire
Qui dans l'étude austère
Tire l'affaire au clair.

Le charme de la pluie
Roulant ses gouttes d'or
Sur le cuivre du lit.

Le charme de ton cœur
Que je vois près du mien
Quand je pense au bonheur.

Le charme des soleils
Qui tournent tout autour
Des horizons vermeils.

Et le charme des jours
Effacés de nos vies
Par la gomme des nuits.

Boris Vian

Gonçalo Byrne no CCB


Nuno Cera no CCB


quinta-feira, novembro 23, 2006

Henrique Dinis da Gama



Foto de Henrique Dinis da Gama

O NEVOEIRO


A névoa é a poeira da civilização que veste as coisas de
conhecimento, de cultura, de significações, impedindo
que elas apareçam nuas, tais como são. E como são,
quando aparecem nuas, como no primeiro dia?

José Gil, Diferença e Negação na Poesia de Fernando Pessoa

A partida tinha sido igual à de todos os dias.
De repente uma nuvem sobre a tempestade.
Poderia passar por fumo mas aparece como um
pó reluzente, iluminando a atmosfera do barco
de modo a não criar sombras. Todos se vêem,
todos se sentem. Cessou o balanço que os con-
sumia. Instalou-se uma calma luminosa.

A nuvem vai passando, de dentro para fora, dos
salva-vidas para as vigias. É morna e confortá-
vel, somatório do calor dos corpos. E não mais
se vêem as margens. Ter-se-á perdido o rumo?

Cai o certificado de navegabilidade, caem os
quadros. Na casa das máquinas a atmosfera é
limpa. O barco repousa; cede à deriva. Passa
à escuta do que o rodeia, cego de nevoeiro.
Cheiros e fumos penetram nas cabinas, en-
ganando distâncias, criando um cenário de
afastamento e contacto. Ninguém se move.
Guiados pela deriva, os passageiros fundem-se
numa só mente, numa só memória. Em silên-
cio e na imobilidade entregam-se ao acaso.
Não temem acidentes. E que eles aconteçam.

Caiu a pálpebra cinzenta do nevoeiro; desfez-
-se a fronteira entre a terra e o mar. Os raios
de sol já não assombram. Filtram-se por uma
cintilação domesticada e íntima, transformam-
-se no relevo sonoro, no ouvido de chumbo
ou prata que se dissolve com o vento. As cores
misturam-se por um pontilhismo difuso. Como
uma pérola que nasce, o nevoeiro rodeia-se de
superfícies concêntricas, apela para as exten-
sões fumadas. Quando se adensa, elimina vec-
tores e referenciais.
 

Henrique Dinis da Gama
Entre Mar e Margem
Caminho

quarta-feira, novembro 22, 2006

Lisboa

Kerry Hardy

O que Resta

Antes eu esperava pelas flores
o meu prazer repousava nelas.
Agora gosto das plantas antes de florir.
das folhosas - esporas-bravas, consoldas, dedaleiras -
camadas carnudas de folhas vigorosas erguendo-se
para o ar que cresce cada dia em luz, cintilante
de pó que fulge como a sombra dos olhos
que usa aquela rapariga alta da livraria,
as migalhas de brilho trémulo nas pálpebras brancas.

A roupa lavada dança na corda, os pardais arrastam
os montes de ervas que deixei espalhados a secar.
Talvez seja a meia-idade. Desarrumada, inacabada,
sabendo que agora não haverá tempo para acabar,
gostando das plantas - das vidas vigorosas -
sem cuidar das flores, sentada nas ervas
para anotar coisas, olhar as coisas,
observar a dança das camisas na corda
o pano filtrando a luz.

Sei mais ou menos
como viver a minha vida.
Mas quero saber como viver o que resta
com os olhos abertos e as mãos abertas;
quero estar de pé à porta, à chuva,
à escuta, a farejar, pasmada.
Temerosa e feliz,
como uma idiota perante Deus.


Kerry Hardy
Poesia do Mundo
Tradução de
ADRIANA BEBIANO

segunda-feira, novembro 20, 2006

ESTAMPA 2006 MADRID





30 Nov. a 4 Dez.
PabellĂłn de Gristal - Recinto Ferial Casa de Campo

domingo, novembro 19, 2006

Singapura



"NotĂ­cias" de Singapura em imagens.
Ver no photoblog da Joana http://www.joanagarrido.com/photoblog/

sexta-feira, novembro 17, 2006

Ví­tor Oliveira Jorge

O autor, Vitor Oliveira Jorge, e a Papiro Editora (Porto)
têm o prazer de convidar V. Exa a estar presente na sessão de lancamento do
livro de poesia
TOTAL AFLORACAO
que terá lugar no dia 7 de Dezembro de 2006, pelas 18,15 h., na FNAC do
Norteshopping, Matosinhos.

A apresentação da obra estará a cargo da Dra Edite Estrela,
Deputada ao Parlamento Europeu.

quinta-feira, novembro 16, 2006

Minês Castanheira




Ontem pairaste ao meu lado toda a tarde.
E toda a tarde bateste portas, arranhaste paredes, acendeste a apagaste luzes.
Mas não disseste o meu nome.
Se dissesses, sabias que eu olhava.

Não foi a primeira vez que cá estiveste.
Da última, esqueço-me sempre, como foi?
Uma frase fugidia. Não sei
se não a ouvi ou se simplesmente não a quis aqui comigo.

É sempre assim quando passas por aqui
- as letras entendem-se melhor quando não gostam umas das outras.
E depois, como sempre, deixas ficar algo de ti.
Para ti.

Estive a pensar nos trincos
será que se pode por trincos em trincos?
e em como teria sido fácil gastar-te agora aqui
se quando acordei não tivesses ido embora.

Estive a pensar em torcer-te com as minhas próprias mãos
até nada mais de semântico de ti restar.
Mas depois de pouco servias.
Perder-se-iam as pausas, os silêncios que acotovelam palavras, as vogais das coisas.


Minês Castanheira
plasticidades
Prefácio de
Manuel António Pina
Editorial Magnólia



UM PLURAL


Hoje estive quase a dizer-te
um plural.
O todo de um mundo.

Hoje estive quase a lançar-nos no escuro,
Atirar-nos com força
De encontro ao tacto.
E reter dessa colisão o instante em que a película é escrita.

Guardar-te na foto. Reter-te a palavra na memória.

E mostrar-te que a imagem que retorna, às vezes
do corpo,
outras no porto
é a palavra vertida que fica de nós.
Noctuma.

Hoje desisti a tempo de te dizer o que já sabias...
De te falar sobre todas as horas fundas
que as tuas mãos tocaram
e eu deixei fora da fotografia.

De te contar sobre o todo de um mundo
Engolido por dentro
Devorado pela própria lágrima.

A do poema.

Hoje quis dizer-te
porque escrevo.


Minês Castanheira
plasticidades
Prefácio de
Manuel António Pina
Editorial Magnólia

Dulce Maria Cardoso





APRESENTAÇÃO DOS LIVROS

CAMPO DE SANGUE e OS MEUS SENTIMENTOS

pela autora e o crítico literário PEDRO SENA-LINO


QUINTA-FEIRA 23 de NOVEMBRO às 18h30

no

INSTITUTO FRANCO-PORTUGUÊS

ENTRADA LIVRE


“Uma narrativa intensa até dolorosa”Francisco José Viegas


Campo de sangue / Os meus sentimentos

de Dulce Maria Cardoso

“Dulce Maria Cardoso tem-se destacado, em apenas dois anos e dois romances, como uma das vozes mais originais e singulares da nova geração de escritores portugueses. Os seus livros Campo de Sangue (Coeurs arrachés) e Os meus sentimentos (Les anges, Violeta), ambos traduzidos em francês, têm recebido estrondosos elogios por parte da crítica. A escrita de Dulce Maria Cardoso é marcada por invenções narrativas e subversões formais dos mecanismos habituais do romance. Repetições, elipses, ou ainda o “tour de force”central de Os meus sentimentos (a obra é constituída por uma única frase, sem início nem ponto final, que corre durante 400 paginas) permitem uma captação labiríntica, sombria e multifacetada da realidade. Algures entre as historias de loucos de Gogol e o thriller metafísico.”


Instituto Franco Português

tel.: 213.111.400

Avenida Luís Bívar, 91, 1050-143 Lisboa

www.ifp-lisboa.com

Nouvelle Librairie Française

Tél. / Fax: 213.143.755 . nlfdel@mail.telepac.pt

Ouvrages en vente à la N.L.F.

Dulce Maria Cardoso nasceu em Trás-os-Montes, em 1964, na mesma cama onde haviam nascido a mãe e a avó. Tem pena de não se lembrar da viagem no Vera Cruz para Angola. Da infância guarda a sombra generosa de uma mangueira que existia no quintal, o mar e o espaço que lhe moldou a alma. Regressou a Portugal na ponte aérea de 1975. Licenciou-se em Direito pela Faculdade de Direito de Lisboa, escreveu argumentos para cinema, gastou tempo em inutilidades. Também escreveu contos. Tem fé, uma família, um punhado de amigos, o Blui e o Clude. Continua a escrever e a prezar inutilidades. Vive em Lisboa.
O seu romance de estreia, Campo de Sangue, publicado em 2002 e escrito com o apoio de uma Bolsa de Criação Literária do Ministério da Cultura, foi distinguido com o Grande Prémio Acontece de Romance e encontra-se traduzido em França. Os respectivos direitos foram também adquiridos para a América Latina e Espanha, e para o Brasil —Companhia das Letras.


“Loin du folklore, d’une grande originalité narrative, ce deuxií¨me roman époustouflant de Dulce Maria Cardoso invite d’abord à un dépaysement littéraire à l’avant-garde des lettres portugaises.”, Delphine Peras, Lire.

Violeta, comment vous la décrire? Une ballerine obèse qui titube à travers l’existence en levant le coude aussi souvent que la jambe ou peut-être un ange en exil, nostalgique du temps où “le ciel avait la couleur du ciel”.

Victime d'un accident de la route, elle apparaît au début du livre 'la tête en bas, suspendue par la ceinture de sécurité, la pluie claque sur le métal de la voiture, le liquide chaud qui coule de ma bouche c’est du sang, je reconnais le goût...” En ces ultimes instants s’emballe le carrousel d’une pauvre vie : sa carrière de représentante en cire dépilatoire, ses amours de restoroute, sa meilleure ennemie de fille, quelques lourds secrets de famille.

Derrière cette petite musique de la déglingue ordinaire, interprétée par une virtuose, on entend cependant jouer en sourdine une autre partition - la bande-son d’une période de bouleversements pour le Portugal, depuis le rêve du 25 avril 1974 jusqu’au désenchantement post-révolutionnaire en passant par le déclin de l’empire colonial. Subtile articulation entre un destin individuel et une aventure collective à laquelle répond un tour de force stylistique: ce deuxième roman de Dulce Maria Cardoso se compose d’une unique phrase qui court sur 392 pages sans que jamais le lecteur n’en perde le fil.


“Les Anges, Violeta”

“ Le peuple, uni, jamais ne sera vaincu”...Ce slogan de a Révolution des Œillets, (un nom de fleur qui est aussi une odeur”), Dulce Maria Cardoso le retourne :” Le peuple, vaincu, ne sera jamais uni”... Le 25 avril n’a évidemment pas tenu toutes ses promesses. Aucune Révolution, même fleurie, n’est jamais à la hauteur des rêves qu’elle éveille, des espérances qu’elle suscite... Illusions collectives et individuelles : Le ciel n’a pas toujours la couleur du ciel...Et toute vie mène à la mort, même et surtout “ sans crier gare “.

Etrange, original et fascinant ce roman de Dulce Maria Cardoso, traduit avec talent par Cécile Lombart, et publié chez Eric Nalleau qui sait découvrir religieusement, donc servir, des textes qui échappent à la facilité des modes et sont dignes de ce qualificatif “ littéraire “ si souvent violé et défiguré.

Un roman? Une phrase qui s’étend (sans nous noyer) sur quelque 390 pages...Sans une seule capitale, pas même au début. Sans point, pas même à la fin. Un exploit stylistique (y compris chez la traductrice). Résultats : techniquement, une réhabilitation totale de la virgule qui prend un relief rare et une importance exceptionnelle au service d’une prose souvent poétique, chargée d’images, de métaphores et de métonymies fortes et ponctuée de sentences philosophiques (puisque semées dans “ le jardin de la mort “) : “ la vie est une hypothèse sans thèse... rien ne résiste au silence... les morts sont tous oublieux... le pire c’est quand on se met en tête “...

Mais où est-elle allée “ chercher tout cela “, Dulce Maria Cardoso? Son personnage central, d’abord : Violeta. Une “monstresse “? Un ange déguisé? Une pauvre “bougresse “ qui “roule sous les ténèbres “? Imaginez-vous une “ballerine obèse “ qui lève plus le coude que la jambe? “C’était une femme si grosse, si grosse, que quand elle tombait du lit, elle tombait des deux cotés... C’était une femme si grosse, si grosse, qu’elle arrivait à être à deux endroits à la fois “. Et quel non-destin, pour destinée ! “On ne change pas le passé, point final “. Mais “je vais vous dire un secret “ : ce livre tient “éveillé jusqu’au bout de la nuit “. En vous faisant deux rappels essentiels : “La vérité est toujours entre nous et les autres : elle n’appartient à personne (...) La vie est une chose maligne “

Daniel RIOT


Margarida Antunes da Silva
Attachée de Presse/Relations Publiques
Institut Franco-Portugais
Av. Luís Bívar, 91
1050-143 LISBOA
Tel: 21 311 14 27 / Fax; 21 311 14 63

terça-feira, novembro 14, 2006

Ondjaki

TU QUE VISTE TANTAS ESTRELAS

para ti, b.

cegueira é um ganho.
em ti
labirinto é rebanho.
teu chão é o mundo.
para nós, deixas sempre:
sorriso deformado com amor,
poesia em forma líquida:
deve ser bebida ou respirada
em momentos com vagar.
para palavrear prosas, imitas oxigénios:
entras aderindo nos corações.
a bengala quiseste para afastar teus tigres.
o mundo é que foi teu chão.
em vida chegou-te uma cegueira.
teu segredo eu sei:
em cegueira chegou-te uma tanta vida.


Ondjaki
Há Prendisajens
com o Xão
(O Segredo Húmido da Lesma & Outras Descoisas)
Caminho - outras margens

Daniel Faria

Entrei na sombra como alguém que via
Entrei devagar no ritmo de um salmo
E havia luz
Era uma luz como uma árvore quando cresce
E estando em flor era um dia inteiro

Entrei com a sombra pela cintura como algo conquistado
Com sangue a escorrer-me para os pés. Mas mesmo
Que não sangrasse eu entrava em triunfo
Inteiramente vencido.

Entrei para um laço sem saída porque era um nó aberto
E tinha os pés regados pelo sangue que dá vida
Tinha umas sandálias de sangue para caminhar livre

Entrei em morte sucessiva no que vive
Era a luz de uma árvore quando cresce
E se ensombra para não ficar sozinha


Daniel Faria
(1971-1999)
Homens Que São Como Lugares Mal Situados

Feira de Arte Contemporânea - Lisboa













quinta-feira, novembro 09, 2006

BenefĂ­cios da chuva...

"Selecta Franceza"

Versos de seis syllabas

6 - LA CAPTIVE

Si je n'étais captive,
J'aimerais ce pays,
Et cettemer plaintive,
Et ces champs de maïs,
Et ces astres sans nombre,
Si le long du mur sombre
N'étincelait dans l'ombre
Le sabre des spahis...

Pourtant j'aime une rive
Où jamais des hivers
Le souffie froid n'arrive
Par des vitraux ouverts.
L'été, la pluie est chaude,
L'insecte vert qui rĂ´de
Luit, vivante émeraude,
Sous les brins d'herbe verts.

Smyrne est une princesse
Avec son beau chapel (1);
L'heureux printemps sans cesse
Répond à son appel;
Et, comme un riant groupe
De fleurs dans une coupe,
Dans ses murs se découpe
Plus d'un frais archipel.

J'aime ces tours vermeilles,
Ces drapeaux triomphants,
Ces maisons d' or, pareilles
A des jollets d'enfants;
J'aime, pour mes pensées
Plus mollement bercées,
Ces tentes balancées
Au dos des éléphants.

Dans ce palais de fées,
Mon coeur, plein de concerts
Croit, aux voix étouffées
Qui viennent des déserts,
Entendre les génies
Mêler les harmonies
Des chansons infinies
Qu'ils chantent dans les airs!...

Mais surtout, quand la brise
Me, touche en voltigeant,
La nuit, j'aime être assise,
Etre assise en songeant,
L'oeil sur la moer profonde,
Tandis que, pâle et blonde,
La lune ouvre dans l'onde
Son éventail d' argent.


V. HUGO - Les Orientales
(1) - Au XII siècle ou disait: chapel pour chapeau (chapeo)


Selecta Franceza
por C. Delacruz Vidal e a collaboração de
Luiz Fillipe Leite
Imprensa de Lucas Evangelista Torres
1893

Rui Knopfli

IMAGEM REFLECTIDA


Inventara-a,
não sendo pois o que era
mas o que nela vira.
E essa imagem vivia nele,
e nele durava como um
súbito acordar ofegante
em meio da noite,
uma lembrança de morte.
Na queda quebrou-se
o modelo.
A imagem leva-a ele:
um peso morto,
uma mágoa inútil.

Rui Knopfli
Obra Poética

António Ramos Rosa

Saudas a tua sombra
na última escadaria da noite
Enches os cântaros matinais
com a água azul das derradeiras estrelas
Preparas assim a coluna vertical do dia
mas tens de entrelaçar os signos do vento
e atravessar as silentes passadeiras da água
em que se balbucia o que não se pode dizer
em que tens de dizer o que na língua oscila
como um talismã incerto que resvala na garganta
És tão anónimo que não sabes que pedra ou ramos hás-de
[oferecer
aos vivos para que não se afundem num pântano
É então que inventas uma constelação em forma de barco
e regressas à rugosa identidade terrestre


António Ramos Rosa
As espirais do silêncio

Exposição










Galeria Diferença
04.Nov.2006>13.Jan.2007

sábado, novembro 04, 2006

Letra B - Bernardo Pinto de Almeida

Abandono


A quem senão a ti direi
como estou triste? Mas se a tristeza vem
de tu não estares, como ta direi, como hei-
-de juntar o que me está doendo ao ven-
to que não bate mais à tua porta? Eu sei

que a tristeza é só isto, é só isto,
o descoincidir consigo mesmo, eu sei,
descoincidir com os outros, estava previsto
porque dentro de si o mundo não coincide e
não há senão tristeza. Em cada um está Cristo

Sempre abandonado, cada um abandonado
a si mesmo, sem princípio e sem fim,
pois no princípio o amor era dado
promessa de te ter sempre junto a mim
não ausência, nem dor, nem habitado

ser por todo este absurdo. Morrer
um pouco, disse, sem saber o que dizia
pois eram só palavras, como se a prometer
tudo aquilo que havia e não havia.

Não haver palavras és tu a desaparecer.


Bernardo Pinto de Almeida
hotel spleen
Quetzal Editores



Queijo curado


Não: não escrevi hoje nenhum poema
e também se escrevesse nada iria adiantar
nem que falasse dos teus olhos borrados de rimei
depois de teres chorado ou da tua boca esmagada
como uma rosa desfeita pelo vento da tarde. Mas não
ao contrário de outros dias em que a pena
de mim mesmo me compele insidiosamente a avançar
para o transbordo de palavras sobre um pobre papel
confundindo poesia e catarse ou pão com marmelada
felizmente não me visitou a inspiração.

Se pelo contrário lembrar-te fosse deveras urgente
nem soubesse sequer como não pensar em ti
escrever um poema fosse a forma imaginosa
de voltar aí ao momento doce e infernal uma outra vez
apesar do que dói apesar de ser tarde apesar de apesar
as coisas estariam piores sentir-me-ia doente
nem poderia dar por ela quando o cão se aproxi-
ma devagar a encostar o focinho na minha mão ociosa
ou distrair-me com a luz doce no rio quando a noite se fez
sequer chegar a casa a horas decentes para jantar.

Mas não: eu hoje consegui esse feito ainda assim
modesto mas já em si prenunciador de mudança de estação
que consistiu apenas em não chegar a perder-
-me nessa memória amarga do teu corpo perfeito
lamentar aquele beijo que ficou por roubar
ou o momento em que julgo que sob a tua saia a min-
ha mão se deveria ter detido ainda que afastada pela tua
[mão
na esperança de na pele por um momento obter
a forma exacta escultórica e macia de um tal jeito
que agora até de olhos fechados a esculpisse no ar.

Fiquei tranquilamente a ler jornais do dia ou de antes
- alguns já tão antigos que nem me lembro de os ler -
portanto não fui atravessado pelo perpétuo transbordar
de memórias desconexas desse teu rosto amado.
Nem o facto de ele ter passado pela televisão
do meu ecrã mental me deixou perplexo por instantes
que fossem para além do razoável. Também não me per-
di nesse caleidoscópio de trevas que é imaginar-
-te portanto tudo bem: o mal está já quase curado
como um queijo. Falta só comê-lo com pão.


Bernardo Pinto de Almeida
hotel spleen
Quetzal Editores



essays on the elephant


o sedutor seduzido
emprenhou pelo ouvido
preconceitos morais
jamais.

- Olho o teu rosto e ouço torturado
o modo como nele a chuva cai
e lembro: lift is hard
and then you die

Quando a mosca cai no mel
ninguém pergunta
ao mel
como se sente.


Bernardo Pinto de Almeida
e outros poemas
Quetzal Editores



pequeno desenho
estrela
de repente um avião
e uma janela
a abrir-se sobre a rua


Bernardo Pinto de Almeida
e outros poemas
Quetzal Editores



Canone


A arrogância dos poetas nesses dias
passava pelo modo como nos cafés
se dispunham nas mesas: líricos
à esquerda próximos do balcão

épicos à direita alguns com chapéu
dramáticos em pé
na barra
modernos sentados mais ao fundo

despejando sobre brancos papéis de guardanapo
versos livres brancos de poemas em prosa
ou olhando avidamente para Rosa
a empregada mulata de vinte e tantos anos.

Tudo tão admiravelmente posto em ordem
segundo preceitos decerto muito antigos
dava àquela geração de vates surpreendidos
a aparência vaga de um conjunto de amigos.

Mas eis que Baudelaire
Mallarmé Pound Eliot
Wallace Stevens
chegavam a ser termos pronunciados
todos se disputavam
a recitar um verso de O' Hara
um terceto de cummings
uma melopeia à Charles Olson

um simples dito de Tzara.
Eu sentava-me nesse café
numa mesa próxima da porta
e pedia uma bica

folheava o jornal
entre dois goles de meia notícia
evitando sempre olhar para eles
mais que um instante breve

o suficiente para que quase alarmado
me inteirasse do estado
da poesia.
Mas se acaso pela rua distraído

um gato
corria atrás de um outro
ou um cão passava
ou tão-só um par de pernas na calçada

já de jornal na mão
passada apressada
saltava para fora do cân-
one two three four.


Bernardo Pinto de Almeida
hotel spleen
Quetzal Editores



poema do dia de hoje


Estava eu nisto
quando
cheguei à idade adulta
àquela plena consciência
de não andar no mundo pelos outros
mas por mim
pelo despontar da primavera
no azul do céu na manhã fresca
pela contemplação dos roseirais
pelo cheiro da urze
pelo cair do dia nas cidades
o seu comércio lento e evasivo
as suas montras docemente incendiadas
e pelo esperar da noite
quando o teu belo corpo
audaz e ansioso
se abre como a rosa
face ao meu.

Quer mais do que isto
um homem
do que saber-se inteiro
sereno agradecido
diante da sua própria morte?


Bernardo Pinto de Almeida
e outros poemas
Quetzal Editores

sexta-feira, novembro 03, 2006

Arqueologias

Entre as minhas "arqueologias" conta-se este livro escolar de 1909,
com textos interessantes, cheio de gatafunhos e alguns bonecos, como aqui se mostra.

ABSTRACTION

The celebrated English philosopher, Newton, being
one day deeply engaged in the study of some difficult
problem, would not leave it to go and breakfast with
the family.
His housekeeper, however, fearing that the long fasting
might make him ill, sent one of the servants into the
closet, with an egg and a saucepan of water. The servant
was told to boil the egg and stay while her master ate
it, but, Newton, wishing to be alone, sent her away,
saying he would cook it himself. The servant, after
placing it by the side of his watch on the table, and
telling him to let it boil three minutes, went out; but
fearing he mignt forget, she returned soon after, and
found him standing by the fire-side, with the egg in his
hand, his watch boiling in the saucepan, and he quite
unconscious of the mistake he had committed.

ENGLISH READING BOOK
Approvado officialmente para a 2.ÂŞ e 3.ÂŞ classe dos Lyceus
Arthur Ivens Ferraz
Livraria Chardron
de Lello & IrmĂŁos, editores
Porto
1909

Augusto Abelaira

ENCONTRO


(Continuação)

- Esses ou outros.
Ana Isa procurou um cigarro, achou-o
- Ajuda-me? Com vento não me atrevo...
Geralmente não me atrevo a confessar isto,
tenho vergonha. É estúpido como se pode ter
vergonha de uma coisa tão pouco importante.
não é? E no entanto... Ah. agradeça-me, ah,
espante-se! Uma tal confissão! Se soubesse
como me custa! Eapante-se... É preciso que eu
tenha muita confiança em si, é preciso que
eu acredite muito em si para assim lhe entre-
gar nua, absolutamente nua, a minha alma...
Tamanha sinceridade! E se estou a falar sem
olhar para si é porque ainda há um pouco
de vergonha em mim... Mas deixe-me ter a
coragem de lhe dizer tudo, de ser absoluta-
mente sincera. - Olhos nos olhos. - Não sei
acender um fósforo quando está vento!
-- Sofro por não ser mais alto.
- Gostaria que o meu nariz não fosae tão
grande.
- Fui sempre mau aluno em matemática.
- Neste momento há, pelo menos, meio
milhão de mulheres que choram os maridos
mortos... E nós aqui!
-A morte é inevitável...
- A morte é inevitável, é um facto da natu-
reza, veloz como uma gazela,. cidade tenta-

cular... Não! Muitos milhares de mortes podiam ser evitadas. Não
são porque milhões de homens e de mulheres estão como nós aqui ou
ali. Apenas aqui ou ali.
- Apenas.
- Meio milhão. Que faço eu para que o meu marido seja feliz?
Ele é bom, ele gosta de mim, ele procura ajudar-me... Eu sou boa, eu
gosto dele, eu procuro ajudá-lo... Ah. gostaria de o ajudar, de me inte-
ressar pelos problemu que o preocupam. Não posso, às vezes começo,
mas não posso... E eu seria mais feliz, tenho a certeza, se o ajudasse...
Mas penso: dá tanto trabalho ser feliz! Dá muito menos trabalho ser
infeliz!
- Mal desceste as escadas, vi logo que tinhas um penteado novo.
Perdi a partida de xadrez. Pensava em ti e não no jogo.
-Ah, não, não me pode compreender... Nunca foi aos Açores!
Só quem viveu, como eu, nos Açores com aquela humidade, com aquele
isolamento de me saber rodeada por água por todos os lados... -Sor-
riu: - Um mar com cintilações...
- Uma ilha e não uma península, as penínsulas são rodeadas por
todos os lados menos por um...
- Quais estrelas! Adjectivemos: milenárias. Quais estrelas mi-
lenárias !
E ao longe, erguendo-se acima do horizonte, um transatlântico
preto com uma chaminé vermelha.
- Sulcando os sete mares, cortando as ondas alterosas...
- Célere...

FIM


Augusto Abelaira
eva-natal 1962

quinta-feira, novembro 02, 2006

Que sabemos nĂłs?



A ver, absolutamente

Beleza marĂ­tima

Letra A - Ana Hatherly

O ECO DE MIL SINOS DE PRATA

O eco de mil sinos de prata
emudece
ante o labor da aranha

O tempo emudece
na cegueira do ar
na sua geografia nula

Que queres de mim
matéria insensível?

Nas coisas conhecidas
o verbo ser
emudece

Ana Hatherly
O Pavão Negro
Assírio & Alvim
2003


II - CANTO-TE

Canto-te para que tu definitivamente
existas
Canto o teu nome porque só as coisas cantadas
realmente são e só o nome pronunciado inicia
a mágica corrente
Canto o teu nome como o homem fazia eclodir
o fogo do atrito das pedras
Canto o teu nome como o feiticeiro invoca
a magia do remédio
Canto o teu nome como um animal uiva
de
Como os animais pequenos bebem nos regatos depois
das grandes feras
Canto-te
e tu definitivamente existes nos meus olhos
Sempre abertos porque é sempree os meus olhos
são os olhos da criança que nós somos sempre
diante da imensidão do teu espaço

Canto-te
e os meus olhos sempre abertos são a pergunta
instante pendente de eu te interrogar

e interrogo as coisas em seu ser noctumo
em seu estar sombriamente presentes na tua claridade
obscura
E como é sempre
meus olhos abertos prescrutam-te

símbolo de tudo o que me foge
como apertar o ar dentro das mãos
e querer agarrar-te

oh substância
Canto-te

com a fragilidade de tudo que existe perante
uma eternidade demasiado nocturna para os nossos
olhos infantis perante a tua antiguidade
futura
E a nossa voz é uma pequena onda no dorso
do teu oceano de matéria
Um leve arrepio apenas na espantosa espessura
de teu éter
Ah no ar é que tudo acontece
no ar nocturno das idades esquecidas
que previamente desconheceremos
No espaço é que tudo acontece
e o espaço é uma grande muito quieta
onde os nossos olhos penetram
no não sabermos até onde
ali
além
no além onde tudo acontece
Oh
oh espaço de tudo ser tão ligeiro e impalpável
e sermos nós a respiração da
teu bafo ritmado
imperceptível distância
Oh augusta majestática dignidade do silêncio
Oh impassibilidade da tua mecânica celeste
Oh organismo primeiro de todos os fins secretos
da compreensão das coisas
Oh inorgânico organismo dos seres
que se devoram
Oh diz
a quem servimos nós de pasto
Canto-te
como quem pronuncia o Mantra esotérico do teu nome
Canto-te e grito
para que a poeira que se infiltra em todas as
coisas se erga de ti como um plâncton
Oh Madre
matriz das criaturas inferiores que rastejam
a teus pés cobertas de pó
esse pó que a cada momento ameaça submergir-nos
Oh aranha enorme tecendo tua teia de pó
Oh que desintegras tudo e tudo tu constróis
Ah como nós lambemos tuas duras mãos
Oh que fustigas nossos olhos com tua sombra
Enorme
Oh

que deixas tanto espaço para o silêncio
das mil pétalas
dos mil braços esplendorosos em seu abandono
dos murmúrios
dos afagos
sangue derramado sobre o mundo
Oh
Porque és sempre tão premente?
e sempre estás ausentemente
na tua constância em todas as coisas?

Oh sono
Oh morte tão desejada e longa
mágica povoada de átomos
milhões de espíritos enchem o teu sopro
E penetras em nós como uma bala
E tudo morre quando tu chegas
E tudo se dilui e se transforma em ti
alada presciência de tudo acontecer
tão longe de nós e tão antigamente
e tudo nos ultrapassar com soberana indiferença
ante os nossos olhos cegos pelo teu negrume
Oh
brilha para dentro de mim
Acende teus luzeiros em meus olhos
Ergue teus braços oh prenhe de tudo
Oh vaso
Oh via láctea de nos amamentares com teu leite
de sombra
Oh úbere e pródiga
Aleita tua ninhada faminta
Grande fera luzidia
Grande mito
Grande deus antigo
Oh urna onde todos dormimos
Oh
Meus olhos choram já de tanto prescrutar-te
E canto-te
Canto-te
Para que tu existas
E eu não veja mais nada além de ti
E nada mais deseje senão que venhas outra vez
levar-me para dentro do teu ventre
de nunca mais haver
E nada mais haver que


Oh tu definitivamente além

Ana Hatherly
Poemas de Eros Frenético e Contemporâneos
um calculador de improbabilidades
Quimera
1ª edição 2001


os caracóis e as carpas têm cornos
vês, eu não te dizia?
as carpas e os caracóis não têm cornos
vês, eu não te dizia?
as caracoias e os carpos têm cornos
vês, eu não te dizia?
os carapoicos e os porcos não têm cornos
vês, eu não te dizia?
as carapaias e os porcos têm cornos
vês, eu não te dizia?
os caracoicos e as parras não têm cornos
vês, eu não te dizia?
as carassaias e os parcas têm cornos
vês, eu não te dizia?
os caracorpos e as praias não têm cornos
vês, eu não te dizia?
as caracaias e os poicos têm
vês

Ana Hatherly
um calculador de improbabilidades
Quimera
1ÂŞ edição 2001



UM RIO DE LUZES

Um rio de escondidas luzes
atravessa a invenção da voz:
avança lentamente
mas de repente
irrompe fulminante
saindo-nos da boca

No espantoso momento
do agora da fala
é uma torrente enorme
um mar que se abre
na nossa garganta

Nesse rio
as palavras sobrevoam
as abruptas margens do sentido

Ana Hatherly
O Pavão Negro
Assírio & Alvim



gostas da palavra litote?
é um tropo.
e não gostas da palavra tropolitote?
então diz comigo:
tropolitóóóóóóóte !
litote
tropope
tropolipope
tripopopote
tripolitripolitote
tripolitripolipoli
toliloli
tropopopoli
tripopeli
popoli
poplili
popli
popliiii,


Ana Hatherly
um calculador de improbabilidades
Quimera
1ª edição 2001



O decifrador de imagens
persegue um fantasma de vestígios
como Ulisses amarrado
ao querer do conhecer

A descoberta é invenção provisória:
as vozes não se vêem
o que se vê não se ouve

A imaginação
ergue-se do arrepio da sombra
guerrilha entre parênteses
ergue-se da constante chacina
procurando outra coisa
outra causa
o outro lado do ver


Ana Hatherly
O Pavão Negro
Assírio & Alvim
2003

Alguns destes poemas têm outro aspecto visual. Infelizmente não sei colocá-los na forma original, pelo que peço desculpa.

quarta-feira, novembro 01, 2006

Arqueologias



Le coloris.

Les orientales ont un soin particulier de
leur chevelure car elles la portent tombante
et cette parure est pour elles d'autant plus
importante qu'il ne leur est pas possible
comme aux autres femmes, d'en dissimuler
la pauvreté sous une avalanche de frisures
et de "chichis".
Elles sont généralement brunes, mais quel-
ques unes pourtant arborent des cheveux dont
les reflets rappellent ceux des beaux ors
anciens.
Toutes, même dans l'âge le plus avancé,
cĂłnservent leurs cheveux abondants et soyeux.
Leur secret? Le cataplasme de henné em-
ployé judicieusement.
Le henné est une plante dont les feuilles
pulvérisées se font bouillir à la façon d'un
cataplasme de farine de lin.
Lorsque le mélange est à point, on se sert
d'un large pinceau et mieux encore d'un
blaireau aux soies très longues, pour l'appli-
quer en couches Ă©paisses sur toute la che-
velure.
On garde cet emplâtre pluss ou moins long-
temps suivant la nuance que l'on désire
obtenir.
Mais il faut noter ceci; Ă  l'encontre de
toutes les teintures, le henné est un fortifiant
et un régénérateur de la chevelure. Lorsqu'on
ne le garde pas plus d'une demi-heure, il n'a
que peu d'action sur la coloration définitive
et c'est en même temps un remède souverain
contre les pellicules, partant de lĂ  contre la
chute des cheveux.
Apres l'application, on lave soigneusement
la chevelure et on la brosse Ă  diverses reprises
lorsqu'elle est sèche, car la poudre de henné
se dissimule facilement dans la masse che-
velue.
Vn auue avant~ge de cette plante, c'est de
favoriser l'ondulation naturelle et d'aider au
maintient de la frisure artificielle.

Les Secrets de Beauté
Par Mme. de Vandille
Éditions Nilsson
Paris

Robert Louis Stevenson

[Nas terras altas,...]

Nas terras altas, no campo,
Onde os velhos das planícies têm rosadas faces,
E as jovens e belas donzelas
Calmos olhos;
Onde o grande silêncio glorifica e abençoa,
E para sempre no retiro da colina
A sua mais amada música
Nasce e morre.

Oh, voltar a subir onde outrora me enfeitiçaste;
Onde as antigas colinas vermelhas são pássaros encantados,
E os verdes prados
Resplandecem com a sua erva;
E quando a tarde morre com infinitas cores,
E a noite chega e os planetas refulgem, ,
Oh, vede o profundo vale,
Vede como está iluminado!

Oh, sonhar, oh, acordar e vaguear
Ai, deleitar-se, render-se,
No transe do silêncio,
Respirando devagar;
Aí, entre as flores e as ervas,
Tudo o que soa também passa,
Os ventos e os rios,
A vida e a morte.


Robert Louis Stevenson
Poemas Assírio & Alvim

"Aubergines"



aubergines au four

Nettoyez d'abord les aubergines sans en enlever la peau,
mais en Ă´tant le trognon et la queue. Puis, coupez-les en
deux, dans le sens de la longueur, creusez un peu la partie
interne pour retirer les graines et incisez la chair au
couteau, en croisillons, pour faciliter la cuisson.
Salez,poivrez et saupoudrez chaque demi-aubergine d'un peu
d'ail haché menu. Disposez enfin les aubergines dans un
plat huilé, en les serrant bien, la partie recouverte de peau
tournée vers le fond. Arrosez-les d'un peu d'huile et faites
cuire au four, à chaleur modérée.


aubergines panées

Coupez les aubergines en tranches d'1/2 cm d'épaisseur
au maximum et dans le sens de la longueur. Mettez-les
dans un grand plat et saupoudrez-les de sel, puis recou-
vrez-les d'un deuxième plat sur lequel yous poserez un
objet lourd. Le but est de maintenir les aubergines pressées
avec le sel pour qu'el1es “chassent” (comme on dit à
Naples) un peu de leur goût amer. Laissez-les ainsi 2 ou
3 heures; ensuite lavez-les et essuyez-les. Vous passerez
alors chaque tranche dans un jaune d'oeuf battu, puis dans
la farine avant de les faire frire. Cest absolument exquis.


La Cuisine à l´italienne
Sophia Loren
Laffont
1972