sábado, junho 10, 2006

Herberto Helder

(escrita pouco inocente)

No livro do imaginário a lua é verde de morrer, as
cadeiras brancas, e a terra amarela começa a dormir
- gosto dos poetas obscuros.
Não há poetas obscuros.
Se alguém diz - esta atenção não é minha - não é
um poeta obscuro? e, se diz - esta não é a minha aten-
ção - não é um poeta claro?
Não.
É preciso encontrar chaves - às vezes é fácil, às
vezes difícil.
Não.
Cada imagem é a chave de outra imagem - e elas
abrem-se umas às outras, as imagens.
Não.
Tudo são chaves para abrir tudo.
Não.
A chave entra na fechadura, a porta abre-se sobre
uma nova porta.
Não.
Portas sobre portas até que a porta final abre sobre
a luz que atravessa o espaço aberto de todas as portas.
Não.
Os poetas são metafísicos.
Não.
A metafísica é uma distância de onde os poetas vêem,
em perspectiva, a realidade.
Não.
Não há realidade?
Não, não há realidade - todos os poetas são claros
a esse respeito.
Se eles dizem - atenção - cria-se a realidade da
atenção.
Se eles dizem - atenção - anulam a atenção, cri-
am um espaço vazio.
A imagem não é uma realidade?
O que os poetas provam é que é preciso uma ima-
gem para revelar que a realidade não existe.
No livro do imaginário a lua é verde de morrer, as
cadeiras brancas, e a terra amarela começa a dormir -
gosto dos poetas claros.
Não, ainda não.


herberto helder
PHOTOMATON & VOX
Assírio & Alvim
1995

1 comentário:

Anónimo disse...

Herberto Hélder (de seu nome completo Herberto Hélder de Oliveira) nasceu no Funchal, ilha da Madeira, no dia 23 de Novembro de 1930. Frequentou a Faculdade de Letras de Lisboa, tendo trabalhado em Lisboa como jornalista, bibliotecário, tradutor e apresentador de programas de rádio. Começou desde cedo a escrever poesia, colaborando em várias publicações de que se destacam: Graal, Cadernos do Meio-Dia, Pirâmide, Poesia Experimental (1 e 2), Hidra e Nova. É um dos introdutores do movimento surrealista em Portugal nos anos cinquenta, de que mais tarde se viria a afastar.

É o poeta mítico da modernidade portuguesa contemporânea, não só pela intensidade particular da sua obra (quer considerada em conjunto, quer na simples leitura de um único dos seus versos) mas também pelo seu estilo de vida discreto e avesso a todas as manifestações da instituição literária.

Desde O Amor em Visita, 1958, até mais recentemente, em Do Mundo, 1994, passando por Electronicolírica, 1964, e por Última Ciência, 1988, a sua poesia atravessa várias correntes literárias, manifestando uma escrita muito singular e trabalhada, sendo exemplo de um conseguimento sem falhas, sem debilidades nem concessões.

Na ficção, Os Passos em Volta, 1963 (contos), revela o mesmo tipo de elaboração linguística cuidada e encara a problemática da deambulação humana, em demanda ou em dispersão do seu sentido e da sua inteireza.



Obras: Poesia – O Amor em Visita (1958), A Colher na Boca (1961), Poemacto (1961), Retrato em Movimento (1967), O Bebedor Nocturno (1968), Vocação Animal (1971), Cobra (1977), O Corpo o Luxo a Obra (1978), Photomaton & Vox (1979), Flash (1980), A Cabeça entre as Mãos (1982), As Magias (1987), Última Ciência (1988), Do Mundo, (1994), Poesia Toda (1º vol. de 1953 a 1966; 2º vol. de 1963 a 1971) (1973), Poesia Toda (1ª ed. em 1981). Ficção – Os Passos em Volta (1963).


POEMAS:



Mulher, casa e gato

Sobre o Poema

Fonte

Se houvesse degraus na terra...

O Amor em visita