(escrita pouco inocente)
No livro do imaginário a lua é verde de morrer, as
cadeiras brancas, e a terra amarela começa a dormir
- gosto dos poetas obscuros.
Não há poetas obscuros.
Se alguém diz - esta atenção não é minha - não é
um poeta obscuro? e, se diz - esta não é a minha aten-
ção - não é um poeta claro?
Não.
É preciso encontrar chaves - às vezes é fácil, às
vezes difícil.
Não.
Cada imagem é a chave de outra imagem - e elas
abrem-se umas às outras, as imagens.
Não.
Tudo são chaves para abrir tudo.
Não.
A chave entra na fechadura, a porta abre-se sobre
uma nova porta.
Não.
Portas sobre portas até que a porta final abre sobre
a luz que atravessa o espaço aberto de todas as portas.
Não.
Os poetas são metafísicos.
Não.
A metafísica é uma distância de onde os poetas vêem,
em perspectiva, a realidade.
Não.
Não há realidade?
Não, não há realidade - todos os poetas são claros
a esse respeito.
Se eles dizem - atenção - cria-se a realidade da
atenção.
Se eles dizem - atenção - anulam a atenção, cri-
am um espaço vazio.
A imagem não é uma realidade?
O que os poetas provam é que é preciso uma ima-
gem para revelar que a realidade não existe.
No livro do imaginário a lua é verde de morrer, as
cadeiras brancas, e a terra amarela começa a dormir -
gosto dos poetas claros.
Não, ainda não.
herberto helder
PHOTOMATON & VOX
Assírio & Alvim
1995
1 comentário:
Herberto Hélder (de seu nome completo Herberto Hélder de Oliveira) nasceu no Funchal, ilha da Madeira, no dia 23 de Novembro de 1930. Frequentou a Faculdade de Letras de Lisboa, tendo trabalhado em Lisboa como jornalista, bibliotecário, tradutor e apresentador de programas de rádio. Começou desde cedo a escrever poesia, colaborando em várias publicações de que se destacam: Graal, Cadernos do Meio-Dia, Pirâmide, Poesia Experimental (1 e 2), Hidra e Nova. É um dos introdutores do movimento surrealista em Portugal nos anos cinquenta, de que mais tarde se viria a afastar.
É o poeta mĂtico da modernidade portuguesa contemporânea, nĂŁo sĂł pela intensidade particular da sua obra (quer considerada em conjunto, quer na simples leitura de um Ăşnico dos seus versos) mas tambĂ©m pelo seu estilo de vida discreto e avesso a todas as manifestações da instituição literária.
Desde O Amor em Visita, 1958, atĂ© mais recentemente, em Do Mundo, 1994, passando por ElectronicolĂrica, 1964, e por Ăšltima CiĂŞncia, 1988, a sua poesia atravessa várias correntes literárias, manifestando uma escrita muito singular e trabalhada, sendo exemplo de um conseguimento sem falhas, sem debilidades nem concessões.
Na ficção, Os Passos em Volta, 1963 (contos), revela o mesmo tipo de elaboração linguĂstica cuidada e encara a problemática da deambulação humana, em demanda ou em dispersĂŁo do seu sentido e da sua inteireza.
Obras: Poesia – O Amor em Visita (1958), A Colher na Boca (1961), Poemacto (1961), Retrato em Movimento (1967), O Bebedor Nocturno (1968), Vocação Animal (1971), Cobra (1977), O Corpo o Luxo a Obra (1978), Photomaton & Vox (1979), Flash (1980), A Cabeça entre as Mãos (1982), As Magias (1987), Última Ciência (1988), Do Mundo, (1994), Poesia Toda (1º vol. de 1953 a 1966; 2º vol. de 1963 a 1971) (1973), Poesia Toda (1ª ed. em 1981). Ficção – Os Passos em Volta (1963).
POEMAS:
Mulher, casa e gato
Sobre o Poema
Fonte
Se houvesse degraus na terra...
O Amor em visita
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