segunda-feira, setembro 25, 2006

Arqueologias

POETAS SEM AMOR
uma crónica de João Gaspar Simões



Teixeira de Pascoais
.
São deste teor morno as missivas amorosas que Fernando Pessoa
escreveu a Ofélia. E o facto de Álvaro de Campos ter confidenciado,
anos depois, o que o próprio Fernando Pessoa calou - “que todas as
cartas de amor são ridículas” - permite-nos compreender quanto foi
epidérmico o sentimento que o atraiu para essa criatura sem história e
quão alheia se manteve a esse episódio sentimental de feição burguesa
a trama profunda da sua obra. Seguramente o Fernando Pessoa que amou
Ofélia não é o Pernando Pessoa perpetuado nos seus versos. De facto,
o amor não foi nem necessidade emocional do autor da Mensagem nem
ingrediente fundamental da sua poesia. Toda a tua experiência de poeta
decorreu alhures. Ali onde ele se entrega à alquimia dos seus versos
não tem lugar o sentimento que porventura o atraiu momentâneamente
para o sexo oposto.
Não há sequer notícia biográfica de qualquer interregno passional
na vida de Pascoais. E embora haja quem considere a Elegia do Amor
prova da paixão que certa misteriosa mulher lhe teria inspirado, nenhum
dado concreto veio a lume acerca dessa ou de outra qualquer aventura
amorosa do cantor da Vida Etérea. Também Pascoais viveu só e morreu
só. Ao contrário do poeta da Mensagem, todavia, os seus versos não se
cansam de falar em alguma coisa que pelo menos no nome pode confundir-se
com o amor. Que espécie de amor? O “Amor” que em Diálogo, uma das
composições da Vida Etérea se entretém a conversar com a “Alma”: Quem
bate à minha porta? exclama o Amor. E a Alma responde: Uma velha men-
diga quase morta./Venho da escuridão da Natureza./No meu saco de pobre,
eu trago só tristeza.
Há séculos e séculos errante./Trémula sombra, ao vento murmurante./
/Ando de corpo em corpo.../O mármore beijei;
O mármore glacial e lívido animei.../ E em mística ternura,/ Fundiu-s,
como, ao sol, a neve pura;/E ei-lo sagrada flor./Turíbulo que exala aroma,
vida e cor.
Assim se exprime a Alma, e o Amor, de exortá-la a que se lhe confie:
Ó alma vagabunda e dolorida./Vem a mim. Sou o amor que te dá vida.
Que Amor é este? Que Alma é esta? O único amor que Teixeira de
Pascoais admitia: o amor sem raizes na vida, o amor mais amor que o
amor da carne. A identidade da alma do poeta com as coisas da natureza
num plano panteísta a que só ascendem as consciências primitivas dester-
ravam-no do mundo, isolavam-no da terra,É na nebulosa da sua própria
subjectividade que se desenrolam os dramas do mais filosófico dos nossos
poetas do século XX. A Teixeira de Pascoais pouco ou nada pesou não ter
conhecido o amor. Na paixão verdadeira existe uma parte de sensualidade que
nem o misticismo é capaz de subliamar. Se o poeta dos páramos abstractos
porventura encontrou uma mulher capaz de o amor como mulher, não como
símbolo das suas poesias mais reconhecidamente inspiradas num amor
humano, nem por isso a Elegia do Amor é menos imaterial e incorpórea
que qualquer das suas composições manifestamente abstractas:
Lembras-te, meu amor,/Das tardes outonais,/Em que íamos os dois,/
/Sózinhos passear./Para fora do povo/Alegre e dos casais./Onde só Deus
pudesse/Ouvir-nos conversar? /Tu levavas na mão/Um lírio enamorado,/
/E davas-me o teu braço:/E eu, triste meditava/Na vida, em Deus. em ti...
Efectivamente o amor não era a atmosfera ideal de uma natureza como
a de Teixeira de Pascoais. Os poetas sabem melhor do que ninguém cercar
de altas muralhas o espaço interior onde se formam as suas emoções.
Pascoais ter-se-ia desmentido como poeta se porventura houvesse consentido
que um amor tangível, um amor humano, perturbasse a paz desse mar interior
desconhecido que era a sua alma de poeta. Há “amor” na sua poesia, é
certo, mas um amor” que nada sabe das tristezas e alegrias que só o ver-
dadeiro amor consente. Na melindrosa atitude do poeta, sempre pronto
a preservar a sua poesia de tudo que possa corrompê-la. há, por vezes,
como que uma hostilidade pusilânime para com aquela que desde os tempos
mitológicos foi capaz de comprometer o destino solitário do homem.

(Continua)

João Gaspar Simões
eva
Natal
1961

1 comentário:

Anónimo disse...

Teixeira de Pascoais (1877, 1952)

Biografia
Teixeira de Pascoais é o pseudônimo que Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos usou para assinar sua obra literária. Nascido no dia 2 de novembro de 1877 em Amarante - Gatão. Teixeira Pascoais formou-se em direito pela Universidade de Coimbra no ano de 1901. Depois disso, exerceu a profissão de advogado na cidade de Amarante e no Porto. Essa atividade, no entanto, nunca o impossibilitou de seguir também a carreira literária, cuja estreia ocorreu no ano de 1897 com a coletânea de poesias intitulada "Sempre". No ano de 1912, à frente da Revista "A �guia" e do movimento Renascença Portuguesa, difundiu a doutrina do Saudosismo, que foi encarada como uma atitude perante a vida que definia a "alma nacional". O Sebastianismo divulgado por Pascoais influenciou muitos escritores portugueses do início do século XX. Dentre eles destaca-se Fernando Pessoa. O Saudosismo de Pascoais, no entanto, não dura muito tempo: em 1919, por considerarem Pascoais "utópico" e "passadista", alguns integrantes rompem com o grupo Renascença Portuguesa, o que acarreta no aparecimento do grupo "Seara Nova". Anos antes o próprio Fernando Pessoa já havia abandonado o grupo para dar novos rumos a sua poesia. Teixeira de Pascoais morreu no dia 14 de dezembro de 1952 em Amarante. A enciclopédia Barsa define Teixeira de Pascoais como o "principal inspirador do saudosismo sebastianista em Portugal início do século XX".
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