O homem que amou as sereias
(Continuação)
Os nossos fantasmas não se assemelham aos
vossos espectros do Norte, que saem só à
meia-noite e se abrigam de dia nos cemitérios.
Não se dão ao cuidado de se cobrirem com
lençóis e têm o esqueleto coberto de carne.
Mas são talvez mais perigosos do que as al-
mas dos mortos que, pelo menos, foram bap-
tizados, conheceram a vida, souberam o que
era sofrer. Essas Nereidas dos nossos campos
são inocentes e más como a natureza, que ora
protege o homem ora o destrói. Os deuses e
as deusas antigos morreram mesmo, e os mu-
seus apenas encerram os seus cadáveres de
mármore. As nossas ninfas assemelham-se
mais às vossas fadas do que à imagem que de-
las fazeis segundo Praxíteles. Mas o nosso
povo crê nos seus poderes; elas existem como
a terra, a água e o perigoso sol. Nelas, a luz
do Verão faz-se carne, e por isso a sua vista
provoca a vertigem e o espanto. Apenas saem
à hora trágica do meio-dia; estão como que
imersas no mistério da luz mais plena. Se os
camponeses trancam as portas das suas casas
antes de se deitarem para a sesta, não é para
se protegerem do sol, mas delas; estas fadas
realmente fatais mostram-se belas, refres-
cantes e nefastas como a água em que se be-
bem os germes da febre; aqueles que as viram
consomem-se lentamente no langor e no de-
sejo; aqueles que tiveram a ousadia de se
aproximar ficam mudos para toda a vida, pois
que os segredos do seu amor não hão-de ser
revelados ao comum dos mortais.
(continua)
A Salvação de Wang-Fô
e outros Contos Orientais
Marguerite Yourcenar
Publicações D. Quixote
1 comentário:
Marguerite Yourcenar, pseudĂ´nimo de Marguerite Cleenewerck de Crayencour (anagrama de Yourcenar) (8 de junho de 1903, Bruxelas, - 17 de dezembro de 1987, Mount Desert Island, Maine, EUA) foi uma escritora belga de lĂngua francesa. Foi a primeira mulher eleita Ă Academia francesa em 1981, apĂłs uma campanha e apoio ativos de Jean d'Ormesson, que escreveu o discurso de sua admissĂŁo.
Ela foi educada de forma privada e de maneira excepcional: lia Jean Racine com oito anos de idade, e seu pai ensinou-lhe o latim aos oito anos e grego aos doze.
Em 1939 mudou-se para os Estados Unidos, onde passou o resto de sua vida, obtendo a cidadania estado-unidense em 1947 e ensinando literatura francesa até 1949.
As suas MĂ©moires d´Hadrien (MemĂłrias de Adriano), de 1951, tornaram-na internacionalmente conhecida. Este sucesso seria confirmado com L'Ĺ’uvre au Noir (A Obra em Negro, 1968), uma biografia de um herĂłi do sĂ©culo XVI, chamado ZĂ©non, atraĂdo pelo hermetismo e a ciĂŞncia. Publicou ainda poemas, ensaios (Sous bĂ©nĂ©fice d'inventaire, 1978) e memĂłrias (Archives du Nord, 1977), manifestando uma atracção pela GrĂ©cia e pelo misticismo oriental patente em trabalhos como Mishima ou La vision du vide (1981) e Comme l´eau qui coule (1982).
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Obras
* O Jardim das Quimeras (Le jardin des chimères) (1921) ;
* Alexis ou o tratado do vão combate (Alexis ou le traité du vain combat) (1929, romance) ;
* La nouvelle Eurydice (1931, romance) ;
* Fogos (Feux) (1936, poemas em prosa) ;
* Contos orientais (Nouvelles orientales) (1938) ;
* Les songes et les sorts (1938) ;
* Le coup de grâce (1939, romance) ;
* MemĂłrias de Adriano (MĂ©moires d'Hadrien) (1951) ;
* Électre ou La chute des masques (1954) ;
* A Obra em Negro (L'Ĺ’uvre au noir) (1968) ;
* Souvenirs pieux (1974) ;
* O Labirinto do Mundo (1974-77);
* Arquivos do Norte (Archives du Nord) (1977);
* Mishima ou A VisĂŁo do Vazio (1981);
* O Tempo, Esse Grande Escultor (1983);
* D'Hadrien à Zénon : correspondance, 1951-1956 (2004), Paris : Gallimard. 630 p. Texto compilado e comentado por Colette Gaudin e Rémy Poignault ; com a colaboração de Joseph Brami e Maurice Delcroix ; edição coordenada por Élyane Dezon-Jones e Michèle Sarde ; pref. de Josyane Savigneau.
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