quarta-feira, julho 12, 2006

Fiama Hasse Pais Brandão

EPÍSTOLA PARA OS MEUS MEDOS

Sois: os sons roucos, a espera vã, uma perdida imagem.
O coração suspende o seu hálito e os lábios tremem
sinto-vos, vindes ao rés da terra, como ventos baixos,
poisais no peitoril. Sois muito antigos e jovens,
da infância em que por vós chorava encostada a um rosto.
Que saudade eu tenho, ó escuridão no poço,
ó rastejar de víboras nos caniços, ó vespa
que, como eu, degustaste o figo úbere.
Depois, mundo maior foi a presença e a ausência,
a alegria e as dores de outros que não eu.
E um dia, no alto da catedral de Gaudí,
chorei de horror da Queda, como os caídos anjos.


Fiama Hassa Pais Brandão
Epístolas e Memorandos
Relógio d'Água
1996



URBANIZAÇÃO


Tudo o que vivêramos
um dia fundiu-se
com o que estava
a ser vivido.
Não na memória
mas no puro espaço
dos cinco sentidos.
Havíamos estado no mundo, raso,
um campo vazio de tojo seco.

Depois, alguém
urbanizou o vazio,
e havia casas e habitantes
sobre o tojo. E eu,
que estivera sempre presente,
vi a dupla configuração de um campo,
ou a sós em silêncio
ou narrando esse meu ver.


Fiama Hasse Pais Brandão
As Fábulas
edições quasi

3 comentários:

fernanda f disse...

experiĂŞncia

Anónimo disse...

Nasceu em 1938, em Lisboa. Poetisa, dramaturga, ficcionista e ensaĂ­sta.

Viveu numa quinta em Carcavelos até aos 18 anos, tendo então mudado para Lisboa, de onde saiu em 1992 para voltar a viver numa quinta.
Foi aluna do Colégio Inglês de Carcavelos - St. Julian's School - durante dez anos e frequentou o curso de Filologia Germânica, até ao 3º ano, na Universidade de Lisboa. Exerceu crítica de teatro, acompanhou o trabalho do Grupo de Teatro da Faculdade de Letras, estagiou em 1964 no Teatro Experimental do Porto, frequentou um seminário de Teatro de Adolfo Gutkin na Gulbenkian em 1970. Em 1974, foi um dos fundadores do Grupo "Teatro Hoje", sendo a sua primeira encenadora com Marina Pineda, de Lorca.

Tem feito pesquisa histórica e literária sobre o séc.XVI em Portugal.

Tem feito traduções do Alemão, do Inglês e do Francês, de autores como John Updike, Bertold Brecht, Antonin Artaud, Novalis, Anton Tchekov e do Cântico Maior, atribuido a Salomão.

Revelada, como Gastão Cruz, no movimento Poesia 61, que revolucionou a linguagem poética portuguesa dos anos 60, Fiama veio a demonstrar ser uma das principais vozes poéticas da sua geração. A sua obra caracteriza-se por uma grande densidade da palavra, o uso de uma poesia discursiva, por vezes fragmentária, de grande rigor e depuramento formal, desde Barcas Novas (1967), seu segundo livro, sempre entrelaçando no discurso a metáfora e a imagem. Com a publicação de Obra Breve (1991), Fiama procede a uma reorganização de toda a sua obra poética até à data, incluindo inéditos, de acordo com uma ideia de poesia como processo vivo.

Como dramaturga, é autora de várias peças, algumas das quais já representadas em Lisboa, Rio de Janeiro e Nancy.

Anónimo disse...

Nova experiĂŞncia: (biografia diferente)
FIAMA HASSE PAIS BRAND�O
[Lisboa, 1938]


fotografia de Fiama Hasse Pais BrandĂŁo

Poetisa, dramaturga, ficcionista, ensaísta e tradutora. Fiama frequentou a secção de filologia germânica da Faculdade de Letras de Lisboa, e o seu nome costuma ser associado ao grupo de poetas de Poesia 61, movimento no âmbito do qual publicou Morfismos. Mas já antes publicara Em Cada Pedra Um Voo Imóvel (1957), que lhe valeu o Prémio Adolfo Casais Monteiro, e O Aquário (1959), dois títulos mais tarde expurgados da obra canónica. Ao lado de Gastão Cruz, com quem foi casada, foi uma das responsáveis pela Antologia de Poesia Universitária (1964). Nos últimos quarenta anos, colaboração sua encontra-se dispersa por inúmeras revistas literárias, como Seara Nova, Cadernos do Meio-Dia, Brotéria, Vértice, Plano, Colóquio-Letras, Hífen, Relâmpago, Phala, etc. Escreveu peças de teatro - pela primeira, Os Chapéus de Chuva, 1961, recebeu o Prémio Revelação de Teatro - e traduziu, entre outras, obras de Brecht, Artaud e Novalis. Uma bem conseguida versão do Cântico dos Cânticos - a que chamou Cântico Maior, na esteira de Samuel Schwarz -, estribada no confronto dos textos bíblicos, foi recolhida no volume da sua obra poética completa. Personalidade hierática da vida literária portuguesa, a sua poesia caracteriza-se por uma dimensão cosmogónica que evoluiu do hermetismo inicial para um fluente registo descritivo, tal como em Cantos do Canto (1995), colectânea a um tempo enumerativa e de recorte analítico. Essa inflexão de escrita, muito nítida a partir da publicação de Obra Breve (1991), potenciou uma licenciosidade de timbre esotérico até então rasurada pela pirotecnia verbal e o omnipresente magistério da linguagem. Da sua produção ensaística, destaque-se O Labirinto Camoniano e Outros Labirintos (1985), sobre a influência cabalística em diversos autores portugueses dos séculos XVI a XVIII. Traduzida em vários idiomas e representada na generalidade das antologias de poesia, Fiama recebeu nos últimos vinte anos os mais importantes prémios literários portugueses.

in Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Vol. VI, Lisboa, 1999