segunda-feira, agosto 13, 2007

acreditas?


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RICHARD FORD

CREIO NA REDENÇÃO PELA ARTE

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Vendo-o à janela, com o seu olhar desencantado e solene recain-
do sobre a beleza cristalina da América, pareceu-me uma personifica-
ção do próprio país. A energia do sorriso e a vontade de enfrentar daí
a pouco um tema tão inesperado quanto fundamental demonstravam
até que ponto ele era o primeiro a ter consciência disso.

- Então, queres começar? - antecipou-se; depois, sentou-se numa
poltrona de onde podia continuar a ver a janela. - Preparei-me.

Vamos então directamente ao assunto; acreditas em Deus, Richard?
Não.

Nunca acreditaste?

Nada disso: fui educado religiosamente e até aos vinte e um anos
frequentei regularmente a igreja.

Fala-me da tua educação familiar.

Sou metade irlandês e metade índio, mas, no que diz respeito à
religião, a educação foi protestante. Os Ford provêm de uma região
meridional do Ulster, uma zona de conflitos acesos e violentos. Um
dos meus bisavôs era um reverendo e os meus pais eram ambos muito
religiosos. A minha mãe foi educada numa escola de freiras católicas e
manteve toda a vida uma relação muito intensa com essa realidade.
Apesar disso, fui educado segundo os ditames da tradição presbiteria-
na e, quando era criança, no Mississippi, para além da missa de domin-
go, ia a uma outra às quartas-feiras e fazia parte do coro.

Depois, que aconteceu?

Comecei a sentir um desconforto crescente: parecia-me perpetuar
unicamente rituais mecânicos. A religião não me dava nada.
Não te parece que a religião também é dar; e não apenas receber?
Claro, mas acho que receber ou sentir qualquer coisa que muda a
existência representa, de qualquer forma, um aspecto imprescindível.
No que me diz respeito, não senti o salto que a fé me deveria oferecer,
mas apenas um rito vazio e privado de sentido.

Quando se deu a mudança?

Tenho uma recordação precisa: tinha vinte e um anos e estava na
faculdade, no Michigan. Ia a caminho da igreja quando, de repente,
perguntei a mim próprio que sentido fazia aquilo. Senti um misto de
rebelião e desilusão. Esse momento, que até hoje classifico como o fim
de uma frustração, coincidiu com a decisão de me tornar escritor.

Podemos dizer que a tua religião é a escrita?

Sim, absolutamente, e devo sublinhar que as duas escolhas estão
estreitamente ligadas. Lembro-me com clareza da sensação de tentar
por todas as formas, desde pequeno, procurar todas as oportunidades
para acreditar. . .

Isso que descreves testemunha uma aspiração.

E é, e foi apagada pela escrita.

O que representa a morte, para ti?

O fim. Espero não me dar conta, nesse momento, de ter errado em
tudo. Mas, fosse como fosse, seria demasiado tarde.

A religião ensina que nunca é tarde de mais.

Não posso esconder que uma parte de mim diz isso a mim pró-
prio. Mas não é um assunto que me ocupe: a minha religião e a minha
razão de viver estão na arte. Há uma frase de Wallace Stevens que
tenho sempre em mente: -Nos períodos em que a crença desponta, o
desafio do poeta consiste em satisfazer a fé em métrica e estilo».

Mas trata-se de uma ilusão, ou de algo real ou salvífico?

Acredito na redenção pela arte, e gostava de citar também uma
passagem maravilhosa da Carta aos Hebreus: «A fé é garantia das coisas
que se esperam e certeza daquelas que não se vêem.» No meu caso, a
arte, e em particular a escrita, deram um sentido a toda a minha exis-
tência. Enquanto não fiz esta descoberta e, consequentemente, a esco-
lha de ser um artista, sentia que faltava qualquer coisa, tanto no plano
mundano como no plano espiritual.
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acreditas?
conversas sobre Deus e a religião
Antonio Monda
Lucerna

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