MAR MORTO!
A noite cai sobre o cais, sobre o mar, sobre mim.
As ondas fracas, contra o molhe, são vozes calmas
[de afogados.
O luar marca uma estrada clara e macia nas águas,
mas os barcos que saem podem procurar mais noite,
e com as suas luzes vão pôr mais estrelas além.
O vento foi para outros cais levar o medo,
e as mulheres, que vêm dizer adeus e cantar,
hoje sabem canções com mais esperança,
canções mais fortes que a ressaca,
canções sem pausas onde passe uma sombra da
[morte.
Velhos marítimos - a terra é já a sua terra-
olham o mar mais distante e têm maior saudade.
Pára o rumor duns remos.
Não vão mais Às estrelas as canções com noite,
[amor e morte.
Penso em todos os que foram e andam no mar,
em todos os que ficam e andam no mar também.
E a luz do farol, lá longe, diz talvez.
Alberto de Serpa
(in Presença, n.º 43)
1 comentário:
Ao conciliar, com inequĂvoca originalidade, uma memĂłria da tradição literária e um desejo modernista de renovação poĂ©tica, a obra de Alberto de Serpa ocupa um lugar de destaque no contexto do movimento da Presença e no panorama da poesia portuguesa dos anos 30 e 40 deste sĂ©culo. Por uma razĂŁo muito simples, nem sempre compreendida: em esquecer a sua genealogia e sem deixar de seguir o seu caminho presencista, procurou, de uma forma obsessiva, em menos, em menos de uma Ă©poca, numa altura em que estava em jogo a prĂłpria razĂŁo de ser da poesia, novas formas de expressĂŁo criadora da dignidade estĂ©tica da linguagem, entendida como compromisso irrecusável com uma missĂŁo Ă©tica do poeta no mundo.
Presença
Revista literária (concretamente uma "folha de arte e crĂtica") fundada, dirigida e editada por Branquinho da Fonseca (que abandona a direcção no nÂş27, em 1930, com os colaboradores Adolfo Rocha - Miguel Torga - e Edmundo de Bettencourt), JoĂŁo Gaspar Simões e JosĂ© RĂ©gio. O primeiro nĂşmero sai a 10/3/1927, e a partir do nÂş33 a revista passa a contar com Adolfo Casais Monteiro na direcção, atĂ© Novembro de 1938. No ano seguinte inicia-se uma nova sĂ©rie, com um formato maior e maior nĂşmero de páginas, com o secretário Alberto de Serpa, mas publicam-se apenas 2 nĂşmeros (Novembro de 1939 e Fevereiro de 1940).
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