quarta-feira, maio 31, 2006

"Não vão mais às estrelas..."

MAR MORTO!

A noite cai sobre o cais, sobre o mar, sobre mim.
As ondas fracas, contra o molhe, são vozes calmas
[de afogados.
O luar marca uma estrada clara e macia nas águas,
mas os barcos que saem podem procurar mais noite,
e com as suas luzes vão pôr mais estrelas além.

O vento foi para outros cais levar o medo,
e as mulheres, que vêm dizer adeus e cantar,
hoje sabem canções com mais esperança,
canções mais fortes que a ressaca,
canções sem pausas onde passe uma sombra da
[morte.

Velhos marítimos - a terra é já a sua terra-
olham o mar mais distante e têm maior saudade.

Pára o rumor duns remos.

Não vão mais Às estrelas as canções com noite,
[amor e morte.

Penso em todos os que foram e andam no mar,
em todos os que ficam e andam no mar também.

E a luz do farol, lá longe, diz talvez.

Alberto de Serpa
(in Presença, n.º 43)

1 comentário:

Anónimo disse...

Ao conciliar, com inequívoca originalidade, uma memória da tradição literária e um desejo modernista de renovação poética, a obra de Alberto de Serpa ocupa um lugar de destaque no contexto do movimento da Presença e no panorama da poesia portuguesa dos anos 30 e 40 deste século. Por uma razão muito simples, nem sempre compreendida: em esquecer a sua genealogia e sem deixar de seguir o seu caminho presencista, procurou, de uma forma obsessiva, em menos, em menos de uma época, numa altura em que estava em jogo a própria razão de ser da poesia, novas formas de expressão criadora da dignidade estética da linguagem, entendida como compromisso irrecusável com uma missão ética do poeta no mundo.



Presença

Revista literária (concretamente uma "folha de arte e crítica") fundada, dirigida e editada por Branquinho da Fonseca (que abandona a direcção no nº27, em 1930, com os colaboradores Adolfo Rocha - Miguel Torga - e Edmundo de Bettencourt), João Gaspar Simões e José Régio. O primeiro número sai a 10/3/1927, e a partir do nº33 a revista passa a contar com Adolfo Casais Monteiro na direcção, até Novembro de 1938. No ano seguinte inicia-se uma nova série, com um formato maior e maior número de páginas, com o secretário Alberto de Serpa, mas publicam-se apenas 2 números (Novembro de 1939 e Fevereiro de 1940).