terça-feira, março 06, 2007

Letra D - D. H. Lawrence

Fogo

O fogo é-nos mais caro que o amor ou o alimento,
quente, apressado, mas queimando se lhe tocares.

O que devemos fazer
não é unir o nosso amor ou a nossa boa vontade, ou qualquer
coisa dessas,
pois temos a certeza de introduzir muitas mentiras,
de modo a que se erga numa enorme chama como um falo no
espaço vazio
e venha fecundar o zénite e o nadir
enviando milhões de centelhas de novos átomos
e nos queime e incendeie a nossa casa.

D. H. Lawrence
Os Animais Evangélicos e outros poemas
Tradução de Maria de Lourdes Guimarães
Relógio d´Água


HOMENS-SOL

Os homens deviam agrupar-se numa nova ordem
de homens-sol.
Cada um voltando o peito frente ao sol dos sóis
no centro de todas as coisas,
e do seu próprio e pequeno sol interior
inclinar-se para o que é maior.

E receber do maior
a sua força e os seus incitamentos,
e recusar as incitações enganadoras da fraqueza humana.

E caminhar cada um na sua própria glória-sol
com pernas ligeiras e afoitas nádegas.

D.H.Lawrence
tradução de Maria de Lourdes Guimarães
Relógio d´Água


Amendoeiras molhadas, à chuva,
como ferros saindo tenebrosos da terra;
troncos pretos de amêndoas, à chuva,
instrumentos de ferro, retorcidos e medonhos, saindo da terra,
saídos da suavidade profunda e macia do verde inverno siciliano,
erva incomestível da terra,
troncos de amêndoas pendendo escuros, pretos como ferros, ao longo
das encostas.
Amendoeira, abaixo da vedação do eirado,
negro tronco de ferrugem,
soldaste ainda melhor os pequenos rebentos,
como se fossem de aço, de um aço sensível exposto ao ar,
cor de cinza, alfazema, aço sensível pendendo fraco e frágil numa
parábola.
Que fazes aí à chuva de Dezembro?
Terás alguma estranha e eléctrica sensibilidade nas tuas pontas de aço?
Sentes no ar a indução eléctrica
como certos aparelhos eléctricos igualmente muito estranhos?
E recebes mensagens, em códigos também estranhos,
dos lobos sanguinários que espalham electricidade e rondam
constantemente o Etna?
Recolhes do ar o murmúrio do enxofre?
Ouves as químicas evidências do sol?
Telefonas a dizer do rugido das águas sob a terra?
E com base em tudo isto fazes cálculos?
A Sicília, a Sicília de Dezembro sob a chuva intensa
e os ramos de ferro, negros de ferrugem como velhos instrumentos
retorcidos
brandindo sobre a terra e fustigando a suavidade invernosa da terra, ao
longo das encostas
de um verde macio e incomestível!

D. H. Lawrence


PIANO

Suavemente, na penumbra, uma mulher canta para mim;
Fazendo-me voltar e descer o panorama dos anos, até que vejo
uma criança sentada debaixo do piano, na explosão do prurido das
cordas
E pressionando os pequenos, suspensos pés de uma mãe que sorri
enquanto ela canta.

Apesar de mim, a insidiosa mestria da canção
Atraiçoa-me fazendo-me voltar, até que o meu coração chora para
pertencer
Ao antigo entardecer dos domingos em casa, com o inverno lá fora
E hinos na aconchegada sala de visitas, o tinido do piano o nosso guia.

Por isso agora é em vão que a cantora irrompe em clamor
Com o appassionato do grandioso piano negro. A magia
Dos dias infantis está em mim, a minha masculinidade
É desencorajada no fluxo da lembrança, choro como uma criança
pelo passado.

D.H. LAWRENCE
Reino Unido
(1885-1930)
Tradução de Cecília Rego Pinheiro
Rosa do Mundo
2001 Poemas para o Futuro
Assírio & Alvim


VENERAÇÃO TERNA

Humilhar-se perante outros homens é degradante; não me rebaixo
perante nenhum homem
e não quero que algum homem se humilhe perante mim.

Mas quando vejo o espírito da vida agitar-se e lutar num homem
quero sempre revelar a terna e humana veneração.

D.H.Lawrence
tradução de Maria de Lourdes Guimarães
Relógio d´Água

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