quarta-feira, março 28, 2007

Letra D - Daniel Maia-Pinto Rodrigues

POUCO DEPRESSA

falo-te de chuva
como quem diz que as minhas mãos
não se exaltam em revisitar-te o peito

revejo todos os verdes
no peppermint do meu cálice
enquanto a janela abro
pouco depressa
sobre a tarde

falo-te de cansaço
como quem se sentasse
numa poltrona de lã

Daniel Maia-Pinto Rodrigues
O Afastamento Está Ali Sentado
quasi


DEVAGAR

devagar
setembro
entorna luz na planície

devagar
o vento
inventa choupos

e choupos
devagar
tornam-se rio

devagar cavalos surgem galopando
erguem brancas as cabeças
respiram verdes a claridade
E depois seguem
devagar
pelos túneis de luz

Daniel Maia-Pinto Rodrigues
O Afastamento Está Ali Sentado
quasi


TUDO

Seriam grandes
crescendo assim como os sobreiros
Yes seriam grandes
crescendo assim pelas manhãs
onde os sobreiros não sobressaíssem
pela altura. Passassem antes aves
medindo - digo - analisando
compreensivelmente a questão da altura
E nós que crescemos
que ficamos influenciados pelos sobreiros
pelas aves e pela altura
chegará o dia
em que perante os nossos grandes filhos
diremos levantando a taça:
a nossa experiência profunda das coisas
poderá ser-vos extremamente útil
no decifrar do dia a dia
meus filhos minhas filhas
my old uncle Christopher também
Para já
aguardemos com calma
o acto sempre caloroso
refiro-me
à vinda da sopa
trazida pela mãe

Daniel Maia-Pinto Rodrigues
O Afastamento Está Ali Sentado
quasi


O Grande Tocador de Xilofone

No primeiro dia
vou, ainda que de lampejo, a dar um beijo
toca o telefone
Vou a levantar a tampa da retrete
toca o telefone
Vou a meter a boca no pão com queijo
toca o telefone
Vou o espírito libertar ouvindo os Roxette
toca o telefone
Vou tocar uma pívia
toca o telefone
Vou tocar xilofone
toca o telefone
Vou a constatar que o telefone está sempre a tocar
toca o telefone

No segundo dia
saí para desanuviar
encontrei-te
a tomar café com leite
e dei-te o meu telefone
No terceiro dia
estive atento ao telefone
mas o telefone não te trouxe
No quarto dia
desliguei o telefone

E eis-nos chegados ao quinto e último dia
dos dias que referirei
e tanto estes dias, como também este textozinho
vão necessitar de um final
Qual escolheis
o final que termina bem
ou o final que termina mal?
Assinalo que elaborei mais
aquele que termina bem
Repito a pergunta
qual dos dois escolheis?
Para quem ainda não decidiu
eu vou expressar os dois finais
O que termina mal é assim
basicamente
ao quinto dia
saí para desanuviar
e todos vós me vistes, basicamente
Por sua vez o que termina bem
é
ao quinto dia
saí para desanuviar
saí para desanuviar mas é o raio!
encontrei -te
levei-te, trouxe-te e levei-te
levantámos a tampa da retrete
estilhaçámos ao som dos Roxette
percutimos o xilofone
cuspimos no telefone
demos um beijo, que não de lampejo
animámos o já vivido, amámos o divertido
metendo a boca e o nariz no queijo derretido

Daniel Maia-Pinto Rodrigues
O Afastamento Está Ali Sentado
quasi


E para Terminar Um Pequeno Poema de Amor

Nos tempos primitivos
o australopiteco dizia para a mulher:
"ó minha macaquinha, sorria
olhe ali um mamute!"
Nos tempos de hoje em dia
o homem diz para a mulher:
"ó minha dama de companhia, mamo-te."
Prefiro o setentão sinfónico dos Camel
que dizia:
ó minha dama de fantasia, amo-te.

Daniel Maia-Pinto Rodrigues
O Afastamento Está Ali Sentado
quasi

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