domingo, julho 27, 2008

Svetlana Makarovic

Janeiro

Enormes sâo os poliedros do silêncio
em cima dos telhados mortos.
O silêncio do ar congelado
entre as ruas inconscientes.
O silêncio das caveiras brancas entre a ramagem


Pela goteira caiu
uma mão de prata
endurecida, aponta para a morte.

Os pombos dormem, miúdos,
detrás de cintilantes cortinas de medo.


Svetlana Makarovic
Treze Poetas Eslovenos
Roma Editora

sábado, julho 12, 2008

Letra E - Edmundo de Bettencourt

ADEUS

- Quando aqui estou, estou no Céu!
Ela dizia.
E eu ficava melancólico a pensar
como seria
aquele céu, tão simples,
aonde não chegava
o meu sonho mais alto de alegria!

Como seria?

Nesse tempo de tão calmo
sem um começo nem um fim,
seus belos olhos tristes,
quando olhavam para mim
fugiam logo.

Que envergonhados e descidos,
eram bem um adeus
lá do remoto paraíso
cuja plena felicidade
miravam, adormecidos...

Como eu seguia ausente
e cada vez mais distante
da vida,
até chegar subtilmente
ao instante
em que já era um véu de morte
a presença daquela despedida!

O ar então,
pelo terraço,
fechava-se doirado, como num salão,
e ela adormecia. . .

Dum recanto do Azul
um raio de luz descia
até à luz do seu sorriso
ainda de donzela.
Atraídas,
chegavam borboletas,
coloridas,
que tombavam tontas e inocentes
por sobre ela.

E numa janela
que ali se desenhava,
que breve se fechava
sem rumor,
vinha por fim roçar a asa
um corvo branco anunciador!

Ela dormia a sono solto,
sob a minha vigília,
que para Ela, a enamorada,
seria
a vigília temerosa do seu Deus.
Dormia,
os olhos bem cerrados
no mais cerrado adeus.

E a sua boca de morta-viva,
saudosa das palavras sonhadoras,
sorria sempre, sorria.

- Quando aqui estou, estou no Céu!

Era agora o sorriso que dizia...

Edmundo de Bettencourt
Poemas de Edmundo de Bettencourt
Assírio & Alvim



POEMA DE AMOR

A noite é cheia de vales e baías.
E do meu peito aberto um rio largo de sangue...
Águas densas, de correntes lentas,
serpentes mortas a arrastarem-se.
Águas?
Águas negras, pastosas, alcatrão rolante.
Mas águas puras, verde-claras, atraindo
a margem donde os crocodilos fogem mastigando.
Águas em transparências lucilantes, para cima,
e as estrelas do mar, um polvo e um mefistófeles
ficam no ar sobre ilhéus e lodosos calhaus
que se descobrem.
Plantas brancas e extáticas.. .
Lágrimas... nuvens... e a cabeça, o perfil,
os olhos, todo o corpo da mulher amada, a prostituta
antes de virgem, que é bela e feia, velha e nova,
e não conhece os filhos!

O fogo envolve essa mulher amada
e é um guindaste erguendo-a e atirando-a,
enquanto dispersas pelo chão brilham mandíbulas
naturalmente à espera...

Edmundo de Bettencourt
Poemas de Edmundo de Bettencourt
Assírio & Alvim


APARIÇÃO

A mulher que por mim passou na rua, há pouco,
foi uma coisa diáfana, gentil,
cedo, a pairar
na sombra dum jardim
com flores, em baixo, ajoelhadas,
ao senti-la na altura,
e mandando-lhe o aroma em lágrimas, desfeito,
para mantê-la em uma nuvem branca...

Mulher, coisa diáfana, vaga e bela, sem desenho,
logo fluido animando o colo duma nuvem,
nuvem, num ápice, trucidada pelo vento!

Edmundo de Bettencourt
Poemas de Edmundo de Bettencourt
Assírio & Alvim


ONDULAÇÃO

O luar ondula
fluindo e refluindo
para não acabar a maré cheia
nesta praia onde
imponderável eu me encontre indo
- o pensamento em rumos ignorados
e ao sabor de presságios...

Em breve, à minha volta no areal,
esperanças, de branco, vaporosas,
chorando alto naufrágios
à vista da magia de seus mundos,
com suas lágrimas,
quais enxadas na terra, poderosas,
cavarão sulcos fundos.

E elas ali se hão-de enterrar
quando o luar fugir. . .
Mas com elas enterrarei os meus insultos
à minha nobre angústia de vibrar,
à minha vã desgraça de sentir!

Edmundo de Bettencourt
Poemas de Edmundo de Bettencourt
Assírio & Alvim


Balada dos lobos e a virgem

O vento parado nas vidraças
e o luar da neve que se queixa à claridade azul do que-
bra-Iuz,
na sala sonâmbula de distância,
vêm devagar abrir as portas aos lobos esfomeados
de goelas abertas... uivando, e engolindo o frio...

Tu não os vês entrar
(arrancaram-te os olhos).
Nem vês o medo, um mefistófeles aéreo,
louco, a fazer-te rir.
E ris de tal maneira
que de repente, és uma flor de fumo,
suspensa,
à claridade azul do quebra-luz,
na sala morta de distância agora,

Eu sou de sombra, os lobos não te vêem,
por isso ficam mudos e extáticos, em volta,
à espera de sumirem-se no chão...

Edmundo de Bettencourt (1899-1973)
Poemas Surdos


OLHOS

Aqueles olhos,
à luz dos céus,
eu os possuo em ânsia que se afina.
E quando não eram meus,
não procurei ser ave de rapina,
ter bico adunco,
garras.
E nem fui D. João em serenatas, ao luar,
roubando a alma às guitarras,
para melhor roubar.

Belos, por si,
Vieram ter comigo
às minhas solidões
- feitos meu livre bem e meu castigo,
na atracção abismal o horror de vertigens.
Ah, fazer com que eu,
artista quiromante em transparências virgens,
realizasse a redoma
donde os revelo ao mundo
quando a avareza me não doma.

(Sozinho em frente do oiro
o avarento só vê oiro...
- brilho que enleia,
acaricia,
cantar jocundo,
o oiro fora do mundo
é apenas oiro...)

Ali o mundo os vê já quando ali são verbo
sem nuvem de superstição em que se esconda:
o verbo criador,
reanimador
da cara da Gioconda.

Olhos,
que eu sonhe mais!
e menos vos descubra
enigmáticos,
alma duma expressão de linhas claras e densas,
marcando o mau entendimento das diferenças,
o limite fatal da compreensão!

Edmundo de Bettencourt
Poemas de Edmundo de Bettencourt
Assírio & Alvim



Noite vazia

Crescimento do silêncio a devorar as nuvens.
Voo incansável e monótono das aves brancas do cérebro.
Florida e ondulada suspensão da mágoa.
As ferocidades são ternuras desmaiando na estepe adi-
vinhada.
O amor abre goelas bocejantes nos côncavos da ausên-
cia do espaço.
E a morte espreitando a lentidão
irradia baçamente a sua despedida.

Noite vazia.

As aves brancas do cérebro
inutilmente abatem as suas asas!

Edmundo de Bettencourt (1899-1973)
Poemas Surdos

"A Vida por uma Corda"





Tesouros do sótão

"Quando voltaremos a ser humanos?"

sexta-feira, julho 11, 2008

Duran Duran



Não há cave nesta casa, mas há um sótão, onde vou encontrando algumas "antiguidades"

segunda-feira, julho 07, 2008

Marc Chagall

Marc Chagal, nascido a 7 de Julho de 1887La Mariée

sexta-feira, julho 04, 2008

Letra E - Edgar Allan Poe

ANNABEL LEE


It was many and many a year ago,
In a Kingdom by the sea,
That a maiden there lived whom you may know
By the name of Annabel Lee;-
And this maiden she lived with no other thought
Than to lave and be loved by me.

She was a child and I was a child,
In this kingdom by the sea,
But we loved with a love that was more than love-
I and my Annabel Lee-
With a love that the winged seraphs of Heaven
Coveted her and me.

And this was the reason that, long ago,
In this kingdom by the sea,
A wind blew out of a cloud by night
Chilling my Annabel Lee;
So that her highborn kinsmen came
And bore her away from me,
To shut her up in a sepulchre
In this kingdom by the sea.

The angels, not half so happy in Heaven,
Went envying her and me;-
Yes! that was the reason (as all men know
In this kingdom by the sea)
That the wind came out of a cloud, chilling
And killing my Annabel Lee,
But our love it was stonger by far than the love
Of those who were older than we-
Of many far wiser than we-
And neither the angels in Heaven above
Nor the demons down under the sea
Can ever dissever my soul from the soul
Of the beautiful Annabel Lee:-

For the moon never beams without bringing me
[dreams
Of the beautiful Annabel Lee;
And the stars never rise but I see the bright eyes
Of the beautiful Annabel Lee;
And so, all the night-tide, I lie down by the side
Of my darling, my darling, my lite and my bride,
In her sepulcre there by the sea-
In her tomb by the side of the sea.

Edgar Allan Poe
O corvo e outros poemas
Tradução de Fernando Pessoa
4ª edição
ulmeiro



Tu eras tudo isso para mim, meu amor,
Tudo por quanto a minha alma enlanguescia,
Uma ilha verde no mar, meu amor,

Uma fonte e um altar
Todos engrinaldados de frutas e de flores maravilhosas,
E todas as flores eram minhas.

Ah! sonho demasiado brilhante para durar!
Ah! esperança estrelada que só te erguias
Para seres obscurecida!
Uma voz vinda do futuro ri
"Para diante!" mas sobre o passado
(Abismo profundo) o meu espírito paira
Mudo, imóvel, consternado.

Porque ai de mim! ai de mim! para mim
A luz da vida acabou.
"Nunca mais, nunca mais, nunca mais"
(Uma tal linguagem prende o mar solene
Às areias da margem)
Não florirá árvore devastada pelo raio
Ou não levantará voo a águia atingida.

Agora todas as minhas horas são êxtase
E todos os meus sonhos de noite
Estão ali onde fita o olhar sombrio,
E onde o pé brilha
Nestas danças etéreas
Nas margens destes rios italianos.

Ai de mim! neste tempo maldito,
Transportaram-te sobre a vaga
Longe do amor para a velhice honorífica e o crime
E uma travesseira sacrílega
Longe de mim, e longe do nosso clima brumoso
Onde chora o salgueiro de prata.

Edgar Allan Poe
O Encontro
A queda da casa de Ulster e outras histórias
Tradução de João Costa
Livros Unibolso

I

No mais verdejante dos nossos vales,
Pelos anjos bons habitado.
Outrora um belo e majestoso palácio,
Um palácio resplandecente - erguia a sua frontaria,
Ficava nos domínios do monarca Pensamento,
Era aí que se erguia:
Jamais Serafim desdobrou a sua asa
Sobre um edifício só metade tão belo.

II

Pendões louros, soberbos, dourados,
No seu zimbório flutuavam e ondulavam;
(Passava-se - tudo isto, passava-se no antigo
No tempo muito antigo.)
E, a cada brisa suave que aparecia
Naqueles dias calmos
Ao longo das muralhas felpudas e pálidas,
Evolava-se um perfume alado,

III

Os viajantes, naquele vale feliz,
Através de duas janelas luminosas, viam
Espíritos que se moviam harmoniosamente
Sob o comando dum alaúde bem afinado,
Em redor dum trono onde, tomando assento
- Um verdadeiro Porfirogeneta, aquele! -
Num aparato digno da sua glória,
Aparecia o senhor do reino.

IV

E toda rebrilhante de nácar e de rubis
Era a porta do belo palácio,
Pela qual corria em torrente, em torrente,
E espumava incessantemente
Uma multidão de Ecos cuja agradável função
Era simplesmente cantar,
Com acentos duma beleza delicada,
O espírito e a prudência do seu rei,

V

Mas seres de desgraça, em vestes de luto,
Acometeram a alta autoridade do monarca.
- Ah! choremos! porque jamais a alva dum dia seguinte
Brilhará sobre ele, o desolado!-
E, em todo o redor da morada, a glória
Que se purpureava e florescia
Já não passa duma história, recordação tenebrosa
Das velhas eras defuntas.

VI

E agora os viajantes naquele vale,
Através das janelas avermelhadas vêem
Formas imensas que se movem fantasticamente
Aos sons duma música discordante;
Ao passo que, como um ribeiro rápido e lúgubre,
Através da porta pálida,
Uma multidão hedionda se arrasta eternamente,
Rebentando de riso - já não podendo sorrir,

Edgar Allan Poe
A queda da casa de Ulster
A queda da casa de Ulster e outras histórias
Tradução de João Costa
Livros Unibolso