segunda-feira, abril 05, 2010

EDUARDO BETTENCOURT PINTO

Naqueles dias

Lembras-te?
A camisa velha, a sua cor incendiada, os pés
enfiados nas sandálias cambadas,
o cabelo palhoso e áspero
do sabão azul e branco;
assim eras,
a cavalo do sol,
o coração aos gritos.

Quem sabia de ti?
Que angústia ou riso surpreendia a pedra
dessas águas, que deserto?

Estavas preso à imagem, o rio grande
da luz.
Às colunas desses dias
claros, aos seus enlevos,
folhas secas do mundo.
O gesto, brando, expectante;
num momento podias levantar voo
da alegria ou do canto
dum pássaro.
As tuas mãos murmuravam como o orvalho,
acariciavam as ervas no branco
do júbilo;
deslumbrado escutavas a chuva,
as bananeiras molhadas.

Nesse tempo de glória e ranho,
não conhecias ainda o peso do silêncio
ardendo em palavras feridas,

os olhos gastos pela luz
da ausência.


EDUARDO BETTENCOURT PINTO
A deusa da chuva

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