quinta-feira, junho 14, 2007

Paul Celan

GRÃO-DE-LOBO

...Oh,
Flores da Alemanha, oh, o meu coração torna-se
Um cristal infalível que
Põe à prova a luz quando a Alemanha...
(HOLDERLIN, "Vom Abgrund namlich...")

... como nas casas dos Judeus (para lembrança
da Jerusalém destruída) sempre alguma coisa
tem de ficar inacabada...
(Jean Paul., "Das Kampaner Thal"

Põe o ferrolho à porta: há
rosas na casa.

sete rosas na casa.

o candelabro de sete braços na casa.
O nosso
filho
sabe isso e dorme.

(Lá longe, em Michailowka, na
Ucrânia, onde
eles me mataram pai e mãe: que
floria aí, que
floresce aí? Que
flor, mãe,
te fazia doer aí
com o seu nome,
mãe, a ti,
que dizias grão-de-lobo, e não
lupino?

Ontem
veio um deles e
matou-te
outra vez no
meu poema.

Mãe,
mãe, que
mão apertei eu
quando com as tuas
palavras fui para
a Alemanha?

Em Aussig, dizias tu sempre, em
Aussig junto
ao Elba,
durante
a fuga.
Mãe, aí moravam
assassinos.

Mãe, eu
escrevi cartas.
Mãe, não veio resposta.
Mãe, veio uma resposta.

Mãe, eu
escrevi cartas a -
Mãe, eles escrevem poemas.
Mãe, eles não os escreveriam
se não fosse o poema que
eu escrevi, por
ti, pelo
amor
do teu
Deus.
Bendito, dizias tu, seja
o Eterno, e
louvado, três
vezes
Amen.

Mãe, eles ficam calados.
Mãe, eles consentem que
a ignomínia me difame.
Mãe, ninguém
cala a boca aos assassinos.

Mãe, eles escrevem poemas.
Oh,
mãe, quanto
chão do mais estranho dá o teu fruto!
Dá esse fruto e alimenta
os que matam!

Mãe, estou
perdido.
Mãe, estamos
perdidos.
Mãe, o meu filho, que
se parece contigo.)

Põe o ferrolho à porta: há
rosas na casa.

sete rosas na casa.

o candelabro de sete braços na casa.
O nosso
filho
sabe isso e dorme.

Paul Celan
A Morte é Uma Flor
poemas do espólio
Edição Bilingue
Tradução, postfácio e notas de
João Barrento
Livros Cotovia


GRELHA DE LINGUAGEM


O círculo dos olhos entre as barras.

Animal vibrátil a pálpebra
rema para cima,
descobre um olhar.

Iris, nadadora, sem sonhos, e turva:
o céu, cinzento-coração, deve estar perto.

Oblíqua, no bico de ferro,
a apara fumegante.
Pelo sentido da luz
adivinhas a alma.

(Fosse eu como tu. Fosses tu como eu.
Não estivemos nós
sob uma mesma monção?
Somos estranhos.)

Os ladrilhos. Sobre eles,
bem juntas, as duas
poças cinzento-coração:
duas
bocas cheias de silêncio.

Paul Celan
Tradução de João Barrento
As Escadas não têm Degraus
Livros Cotovia
1990

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