sexta-feira, junho 29, 2007

Museu Berardo





Isabel Sabino




Na Galeria Periférica

quinta-feira, junho 28, 2007

Seamus Heaney

VITRUVIANA

for Felim Egan

In the deep pool at Portstewart, I waded in
Up to the chest, then stood there half-suspended
Like Vitruvian man, both legs wide apart,
Both arms out buoyant to the fingertips,
Oxter-cogged on water.
My head was light,
My backbone plumb, my boy-nipples bisected
And tickled by the steel-zip cold meniscus.

*

On the hard scrabble of the junior football pitch
Where Leo Day, the college 'drillie', bounced
And counted and kept us all in line
In front of the wooden horse - 'One! Two! In! Out!' -
We upped and downed and scissored arms and legs
And spread ourselves on the wind's cross, felt our palms
As tautly strung as Francis of Assisi's
In Giotto's mural, where angelic neon
Zaps the ping-palmed saint with the stigmata.

*

On Sandymount Strand I can connect
Some bits and pieces. My seaside whirligig.
The cardinal points. The grey matter of sand
And sky. And a light that is down to earth
Beginning to fan out and open up.

seamus heaney
LUZ ELÉCTRICA
tradução
Rui Carvalho Homem
quasi

segunda-feira, junho 25, 2007

António José Forte

UM HOMEM

De repente
como uma flor violenta
um homem com uma bomba à altura do peito
e que chora convulsivamente
um homem belo minúsculo
como uma estrela cadente
e que sangra
como uma estátua jacente
esmagada sob as asas do crepúsculo
um homem com uma bomba
como uma rosa na boca
negra surpreendente
e à espera da festa louca
onde o coração lhe rebente
um homem de face aguda
e uma bomba
cega
surda
muda

António José Forte
Uma Faca nos Dentes
Prefácio de Herberto Helder
Parceria A.M. Pereira
Livraria Editora, Lda.

quarta-feira, junho 20, 2007

Gravura em água-tinta



Gravura "sangrada". Sangrar uma gravura consiste em imprimir apenas uma parte dela.
2007

terça-feira, junho 19, 2007

António Lobo Antunes

SEXTA-FEIRA

Testemunha Alice F., governanta na estalagem de Aveiro e resi-
dente na mesma, em Aveiro. Prestou juramento e aos costumes
disse nada. Inquirida disse: Que na terça-feira dez de Fevereiro,
entre as dezasseis e as dezassete horas, se encontrava no seu
posto de trabalho a explicar a nota de conta a um casal de ingleses
idosos e a vigiar o transporte da bagagem para o automóvel alu-
gado em que estes tinham vindo, quando entrou repentinamente
no vestíbulo uma criança do sexo masculino, de cerca de doze
anos de idade, filho da cozinheira da pousada, a qual, num estado
de extrema agitação, empurrou a inglesa com o cotovelo sujo e
gritou à depoente «Dona Alice venha ver o que ali está". Como
a depoente a admoestasse com severidade da sua ausência de
educação e do seu total e completo desrespeito pela indústria
turística, consubstanciada, no caso vertente, na pessoa da britânica
macróbia, cuja conduta se pautava aliás sempre, como é hábito
nessas ilhas, dentro dos parâmetros da mais perfeita educação,
a criança lançou violentamente ao solo uma armação de arame
pintado de branco, repleta de lindos postais ilustrados de curio-
sos rincões da nossa formosa terra tais como Monsaraz e outros,
e berrou, numa exaltação incontrolável, «Deixe-se de sermões sua
cabra que está um homem morto acolá no meio da areia".

António Lobo Antunes
explicação dos pássaros
vega - o chão da palavra
Pág.77

Willem Kloos

EU LAMENTO AS FLORES

Eu lamento as flores em botão quebradas
Que uma manhã mortas no apogeu achou
Lamento os amores que deram em nadas
E o meu coração que ninguém abrigou:

Chegaste, partiste - como eu o sabia. ..
Tive a ideia exacta, não abri a boca:
À eternia inércia duma dor sombria ,
Regressei, vencida essa fase louca.

Tal uma avezinha no calmo relento
De súbito acorda porque o céu clareou;
E entra em chilreios, julgando «isto é dia»

Mas, inda os olhitos não bem descerrou
Já de novo é escuro, e vem um lamento
passar marulhando entre a ramaria.

WILLEM KLOOS
(1859-1938)
Países Baixos
TRAD.: FERNANDO VENÂNCIO
ROSA DO MUNDO
2001 poemas para o futuro
Assírio & Alvim
3ª edição
2001

Nemes Nagy Ágnes

ÁRVORES

É preciso aprender. As árvores de Inverno.
Geladas até às raízes.
Impassíveis cortinas.

É preciso aprender este risco,
onde fumado se faz o cristal,
e nada a árvore em nevoeiro, qual
o corpo numa lembrança.

E atrás das árvores o rio,
asas mudas de selvagens patos,
a brancura cega e azul da noite,
com seus objectos encapuzados;
é preciso aprender aqui os
das árvores indizíveis actos.

NEMES NAGY ÁGNES
(1922-1991)
Hungria
TRAD.:ERNESTO RODRIGUES
ROSA DO MUNDO
2001 poemas para o futuro
Assírio & Alvim
3ª edição
2001

Fotografia

domingo, junho 17, 2007

quinta-feira, junho 14, 2007

Al Berto

Al Berto foi-se embora fez ontem dez anos

2

maravilhar-te as insónias
com o paciente crepúsculo da idade
acordar fora do corpo esquecer o olhar
sobre o pêlo ruivo dos animais beber
o fulgor das estrelas no esplendor da alba
nomear-te
para recomeçarmos juntos a vida toda

ensinar-te o segredo dos alquímicos minerais
acender-te um pouco de culpa
na imatura paisagem do coração

eis a travessia que te proponho
amanhecer sem querermos possuir o mundo
e no orvalho da noite saciar o desejo adiado
respirar a música inaudível das galáxias
sentir o tremeluzir da água no medo da boca

o amor
deve ser esta perseguição de sombras
esta cabeça de mármore decepada
ou este deserto
onde o receio de te perder permanece oculto
na sujidade antiga dos dias

Al Berto
O Medo
Assírio & Alvim

Paul Celan

GRÃO-DE-LOBO

...Oh,
Flores da Alemanha, oh, o meu coração torna-se
Um cristal infalível que
Põe à prova a luz quando a Alemanha...
(HOLDERLIN, "Vom Abgrund namlich...")

... como nas casas dos Judeus (para lembrança
da Jerusalém destruída) sempre alguma coisa
tem de ficar inacabada...
(Jean Paul., "Das Kampaner Thal"

Põe o ferrolho à porta: há
rosas na casa.

sete rosas na casa.

o candelabro de sete braços na casa.
O nosso
filho
sabe isso e dorme.

(Lá longe, em Michailowka, na
Ucrânia, onde
eles me mataram pai e mãe: que
floria aí, que
floresce aí? Que
flor, mãe,
te fazia doer aí
com o seu nome,
mãe, a ti,
que dizias grão-de-lobo, e não
lupino?

Ontem
veio um deles e
matou-te
outra vez no
meu poema.

Mãe,
mãe, que
mão apertei eu
quando com as tuas
palavras fui para
a Alemanha?

Em Aussig, dizias tu sempre, em
Aussig junto
ao Elba,
durante
a fuga.
Mãe, aí moravam
assassinos.

Mãe, eu
escrevi cartas.
Mãe, não veio resposta.
Mãe, veio uma resposta.

Mãe, eu
escrevi cartas a -
Mãe, eles escrevem poemas.
Mãe, eles não os escreveriam
se não fosse o poema que
eu escrevi, por
ti, pelo
amor
do teu
Deus.
Bendito, dizias tu, seja
o Eterno, e
louvado, três
vezes
Amen.

Mãe, eles ficam calados.
Mãe, eles consentem que
a ignomínia me difame.
Mãe, ninguém
cala a boca aos assassinos.

Mãe, eles escrevem poemas.
Oh,
mãe, quanto
chão do mais estranho dá o teu fruto!
Dá esse fruto e alimenta
os que matam!

Mãe, estou
perdido.
Mãe, estamos
perdidos.
Mãe, o meu filho, que
se parece contigo.)

Põe o ferrolho à porta: há
rosas na casa.

sete rosas na casa.

o candelabro de sete braços na casa.
O nosso
filho
sabe isso e dorme.

Paul Celan
A Morte é Uma Flor
poemas do espólio
Edição Bilingue
Tradução, postfácio e notas de
João Barrento
Livros Cotovia


GRELHA DE LINGUAGEM


O círculo dos olhos entre as barras.

Animal vibrátil a pálpebra
rema para cima,
descobre um olhar.

Iris, nadadora, sem sonhos, e turva:
o céu, cinzento-coração, deve estar perto.

Oblíqua, no bico de ferro,
a apara fumegante.
Pelo sentido da luz
adivinhas a alma.

(Fosse eu como tu. Fosses tu como eu.
Não estivemos nós
sob uma mesma monção?
Somos estranhos.)

Os ladrilhos. Sobre eles,
bem juntas, as duas
poças cinzento-coração:
duas
bocas cheias de silêncio.

Paul Celan
Tradução de João Barrento
As Escadas não têm Degraus
Livros Cotovia
1990