IX
IMITAÇÃO DA TERRA
Imitamos a terra.
Depois vamos a ela,
taciturnos.
Vamos por ela,
ao açude
da verde eternidade.
Indissolúvel
o coração na terra,
navegador
sob a pesada noite.
Os epitáfios roem
os epitáfios.
E nem o musgo
do escondido mundo
nos faz recuperável.
Carlos Nejar
A Idade da Eternidade
Poesia Reunida
Escritores dos Países
de Língua Portuguesa
Imprensa Nacional-Casa da Moeda
2001
VII
NOS FAREJA O REAL
O real
é tudo o que conheço,
cheiro, apalpo, devasso
e o que se esquiva,
mesmo incorporado,
o invisível no visível,
o resgate do amor
em cada perda,
o nascer e o não nascido.
Nos fareja o real
e é sol na pedra,
viração sumindo.
E a história rumoreja
no real,
seca-lhe os passos.
Carlos Nejar
A Idade da Eternidade
Poesia Reunida
Escritores dos Países
de Língua Portuguesa
Imprensa Nacional-Casa da Moeda
2001
VIII
AS MÁSCARAS CAINDO
1
O real nos disfarça,
minha amada,
com as máscaras
caindo na medida
em que nós nos percorremos.
2
ÉS real quando corpo
e tua alma desliza
junto à minha nudez
recém-chegada.
E tudo é mais real
quando nos vemos
com a vertigem
de um rosto
no teu rosto
caindo.
Carlos Nejar
A Idade da Eternidade
Poesia Reunida
Escritores dos Países
de Língua Portuguesa
Imprensa Nacional-Casa da Moeda
2001
XXIV
O BEM E O MAL
O bem e o mal
estão entre os meus poros,
as nossas pecúnias
e deveres.
Mas nunca me divido
nessas vozes
e no furtivo casco
dos cavalos.
Que o universo
não seja apenas
braço para alcançar-te,
mas também encalço,
vertigem.
Carlos Nejar
A Idade da Eternidade
Poesia Reunida
Escritores dos Países
de Língua Portuguesa
Imprensa Nacional-Casa da Moeda
2001
ALOENDROS
Os aloendros
os aloendros.
A morte
encheu-me
o sol
da boca.
De aloendros.
É um poço,
amada.
E vai desem-
bocando
em outra água.
Aloendro
aloendro:
eternidade.
Carlos Nejar
A Idade da Eternidade
Poesia Reunida
Escritores dos Países
de Língua Portuguesa
Imprensa Nacional-Casa da Moeda
2001
XXXVII
O HÁLITO DE UM VIVO
À vida, compreendê-Ia
não nos foge.
O vento não persegue
o outro ser do vento.
Dizemos as coisas
e por elas não fica
nem o hábito de um vivo,
a tranquila safra.
Há muito de reserva
na vinha do inconsciente.
Carlos Nejar
A Idade da Eternidade
Poesia Reunida
Escritores dos Países
de Língua Portuguesa
Imprensa Nacional-Casa da Moeda
2001
quarta-feira, fevereiro 28, 2007
Letre C - Camilo Pessanha
CAMINHO
Tenho sonhos cruéis; n'alma doente
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente...
Saudades desta dor que em vão procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum véu escuro!...
Porque a dor, esta falta d'harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o céu d'agora,
Sem ela o coração é quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque é só madrugada quando chora.
Camilo Pessanha
Clepsidra
e outros poemas
Colecção Poesia
Edições Ática
1973
II
A MORTE, NO PEGO-DRAGÃO
De onde vem este perfume de flores, embalsa-
mando a noite puríssima?
Entre bouças e fragas, uma cabana de ola, perto
da qual um arroio murmura...
Como de costume, o eremita parte ao surgi1
a lua.
Em um covão do monte, um pássaro, poisado
ininterruptamente gorjeia.
Não lhe importa que as ervas, impregnadas do
orvalho, lhe encharquem as alpercatas de junça.
As suas vestes de ligeiro cânhamo, soergue-as,
enviezando, a brisa primaveril...
À borda da torrente, intento fazer versos ao
viço das orquídeas.
Embargam-mo as saudades, violentas empolgan-
do-me, do Kiang-pei e do Kiang-nan.
Camilo Pessanha
Tradução Poética das Oito Elegias Chinesas
Clepsidra
e outros poemas
Colecção Poesia
Edições Ática
1973
E eis quanto resta do idílio acabado,
- Primavera que durou um momento...
Como vão longe as manhãs do convento!
- Do alegre conventinho abandonado...
Tudo acabou... Anémonas, hidrângeas,
Silindras, - flores tão nossas amigas!
No claustro agora viçam as urtigas,
Rojam-se cobras pelas velhas lájeas.
Sobre a inscrição do teu nome delido!
- Que os meus olhos mal podem soletrar,
Cansados...E o aroma fenecido
Que se evola do teu nome vulgar!
Enobreceu-o a quietação do olvido.
Ó doce, ingénua, inscrição tumular.
Camilo Pessanha
Clepsidra
e outros poemas
Colecção Poesia
Edições Ática
1973
ESTÁTUA
Cansei-me de tentar o teu segredo:
No teu olhar sem cor, - frio escalpelo,
O meu olhar quebrei, a debatê-lo,
Como a onda na crista dum rochedo.
Segredo dessa alma e meu degredo
E minha obsessão! Para bebê-lo
Fui teu lábio oscular, num pesadelo,
Por noites de pavor, cheio de medo.
E o meu ósculo ardente, alucinado,
Esfriou sobre mármore correcto
Desse entreaberto lábio gelado:
Desse lábio de mármore, discreto,
Severo como um túmulo fechado,
Sereno como um pélago quieto.
Camilo Pessanha
Clepsidra
e outros poemas
Colecção Poesia
Edições Ática
1973
Quem poluiu, quem rasgou os meus lençóis de linho,
Onde esperei morrer, - meus tão castos lençóis?
Do meu jardim exíguo os altos girassóis
Quem foi que os arrancou e lançou ao caminho?
Quem quebrou (que furor cruel e simiesco!)
A mesa de eu cear, - tábua tosca, de pinho?
E me espalhou a lenha? E me entornou o vinho?
- Da minha vinha o vinho acidulado e fresco...
Ó minha pobre mãe!... Não te ergas mais da cova.
Olha a noite, olha o vento. Em ruína a casa nova...
Dos meus ossos o lume a extinguir-se breve.
Não venhas mais ao lar. Não vagabundes mais,
Alma da minha mãe... Não andes mais à neve,
De noite a mendigar às portas dos casais.
Camilo Pessanha
Clepsidra
e outros poemas
Colecção Poesia
Edições Ática
1973
VÉNUS
I
À flor da vaga, o seu cabelo verde,
Que o torvelinho enreda e desenreda...
O cheiro a carne que nos embebeda!
Em que desvios a razão se perde!
Pútrido o ventre, azul e aglutinoso,
Que a onda, crassa, num balanço alaga,
E reflui (um olfacto que embriaga)
Que em um sorvo, murmura de gozo.
O seu esboço, na marinha turva...
De pé flutua, levemente curva;
Ficam-lhe os pés atrás, como voando...
E as ondas lutam, como feras mugem,
A lia em que se desfazem disputando,
E arrastando-a na areia, co'a salsugem.
Camilo Pessanha
Clepsidra
e outros poemas
Colecção Poesia
Edições Ática
1973
VIDA
Choveu! E logo da terra humosa
Irrompe o campo das liliáceas.
Foi bem fecunda, a estação pluviosa!
Que vigor no campo das liliáceas!
Calquem. Recalquem, não o afogam.
Deixem. Não calquem. Que tudo invadam.
Não as extinguem. Porque as degradam?
Para que as calcam? Não as afogam.
Olhem o fogo que anda na serra.
É a queimada... Que lumaréu!
Podem calcá-lo, deitar-lhe terra,
Que não apagam o lumaréu.
Deixem! Não calquem! Deixem arder.
Se aqui o pisam, rebenta além.
- E se arde tudo? - Isso que tem?
Deitam-lhe fogo, é para arder...
Camilo Pessanha
Clepsidra
e outros poemas
Colecção Poesia
Edições Ática
1973
Tenho sonhos cruéis; n'alma doente
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente...
Saudades desta dor que em vão procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum véu escuro!...
Porque a dor, esta falta d'harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o céu d'agora,
Sem ela o coração é quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque é só madrugada quando chora.
Camilo Pessanha
Clepsidra
e outros poemas
Colecção Poesia
Edições Ática
1973
II
A MORTE, NO PEGO-DRAGÃO
De onde vem este perfume de flores, embalsa-
mando a noite puríssima?
Entre bouças e fragas, uma cabana de ola, perto
da qual um arroio murmura...
Como de costume, o eremita parte ao surgi1
a lua.
Em um covão do monte, um pássaro, poisado
ininterruptamente gorjeia.
Não lhe importa que as ervas, impregnadas do
orvalho, lhe encharquem as alpercatas de junça.
As suas vestes de ligeiro cânhamo, soergue-as,
enviezando, a brisa primaveril...
À borda da torrente, intento fazer versos ao
viço das orquídeas.
Embargam-mo as saudades, violentas empolgan-
do-me, do Kiang-pei e do Kiang-nan.
Camilo Pessanha
Tradução Poética das Oito Elegias Chinesas
Clepsidra
e outros poemas
Colecção Poesia
Edições Ática
1973
E eis quanto resta do idílio acabado,
- Primavera que durou um momento...
Como vão longe as manhãs do convento!
- Do alegre conventinho abandonado...
Tudo acabou... Anémonas, hidrângeas,
Silindras, - flores tão nossas amigas!
No claustro agora viçam as urtigas,
Rojam-se cobras pelas velhas lájeas.
Sobre a inscrição do teu nome delido!
- Que os meus olhos mal podem soletrar,
Cansados...E o aroma fenecido
Que se evola do teu nome vulgar!
Enobreceu-o a quietação do olvido.
Ó doce, ingénua, inscrição tumular.
Camilo Pessanha
Clepsidra
e outros poemas
Colecção Poesia
Edições Ática
1973
ESTÁTUA
Cansei-me de tentar o teu segredo:
No teu olhar sem cor, - frio escalpelo,
O meu olhar quebrei, a debatê-lo,
Como a onda na crista dum rochedo.
Segredo dessa alma e meu degredo
E minha obsessão! Para bebê-lo
Fui teu lábio oscular, num pesadelo,
Por noites de pavor, cheio de medo.
E o meu ósculo ardente, alucinado,
Esfriou sobre mármore correcto
Desse entreaberto lábio gelado:
Desse lábio de mármore, discreto,
Severo como um túmulo fechado,
Sereno como um pélago quieto.
Camilo Pessanha
Clepsidra
e outros poemas
Colecção Poesia
Edições Ática
1973
Quem poluiu, quem rasgou os meus lençóis de linho,
Onde esperei morrer, - meus tão castos lençóis?
Do meu jardim exíguo os altos girassóis
Quem foi que os arrancou e lançou ao caminho?
Quem quebrou (que furor cruel e simiesco!)
A mesa de eu cear, - tábua tosca, de pinho?
E me espalhou a lenha? E me entornou o vinho?
- Da minha vinha o vinho acidulado e fresco...
Ó minha pobre mãe!... Não te ergas mais da cova.
Olha a noite, olha o vento. Em ruína a casa nova...
Dos meus ossos o lume a extinguir-se breve.
Não venhas mais ao lar. Não vagabundes mais,
Alma da minha mãe... Não andes mais à neve,
De noite a mendigar às portas dos casais.
Camilo Pessanha
Clepsidra
e outros poemas
Colecção Poesia
Edições Ática
1973
VÉNUS
I
À flor da vaga, o seu cabelo verde,
Que o torvelinho enreda e desenreda...
O cheiro a carne que nos embebeda!
Em que desvios a razão se perde!
Pútrido o ventre, azul e aglutinoso,
Que a onda, crassa, num balanço alaga,
E reflui (um olfacto que embriaga)
Que em um sorvo, murmura de gozo.
O seu esboço, na marinha turva...
De pé flutua, levemente curva;
Ficam-lhe os pés atrás, como voando...
E as ondas lutam, como feras mugem,
A lia em que se desfazem disputando,
E arrastando-a na areia, co'a salsugem.
Camilo Pessanha
Clepsidra
e outros poemas
Colecção Poesia
Edições Ática
1973
VIDA
Choveu! E logo da terra humosa
Irrompe o campo das liliáceas.
Foi bem fecunda, a estação pluviosa!
Que vigor no campo das liliáceas!
Calquem. Recalquem, não o afogam.
Deixem. Não calquem. Que tudo invadam.
Não as extinguem. Porque as degradam?
Para que as calcam? Não as afogam.
Olhem o fogo que anda na serra.
É a queimada... Que lumaréu!
Podem calcá-lo, deitar-lhe terra,
Que não apagam o lumaréu.
Deixem! Não calquem! Deixem arder.
Se aqui o pisam, rebenta além.
- E se arde tudo? - Isso que tem?
Deitam-lhe fogo, é para arder...
Camilo Pessanha
Clepsidra
e outros poemas
Colecção Poesia
Edições Ática
1973
domingo, fevereiro 25, 2007
Continuação
Vou tentar reactivar este blogue, com o espírito que sempre teve de uma certa diversidade.
Voltarei às minhas arqueologias, pois creio que ainda tenho bastantes livros, mais ou menos antigos e outros documentos.
Também tenho muita poesia e arte para divulgar.
Mas não vou mexer no que já está publicado, apesar dos erros verificados
Desejem-me boa sorte e desculpem-me
Voltarei às minhas arqueologias, pois creio que ainda tenho bastantes livros, mais ou menos antigos e outros documentos.
Também tenho muita poesia e arte para divulgar.
Mas não vou mexer no que já está publicado, apesar dos erros verificados
Desejem-me boa sorte e desculpem-me
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